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30+5+1 Chernobyl – Fotografias de João Sarmento

Era uma vez uma cidade chamada Chernobyl. Era uma cidade ucraniana que ficava a 90 quilómetros a norte de Kiev, hoje Ucrânia. Chernobyl ficava também próxima da fronteira com a Bielorrússia. Quando na década de 60 do século XX as autoridades soviéticas planearam a primeira central nuclear da Ucrânia, decidiram instalá-la 15 quilómetros a norte de Chernobyl, e batizaram-na com o mesmo nome.

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A central nuclear de Chernobyl começou a ser construída em 1970, e em 1986 tinha quatro reatores em funcionamento (inaugurados em 1977, 1978, 1981 e 1983, respetivamente). Para albergar os trabalhadores da central, foi construída uma cidade de raiz, uma cidade modelo, batizada com o nome de Prípiat ou Pripyat. Foi implantada a três quilómetros da estação nuclear, e chegou a ter, em 1986, cerca de 48 mil habitantes.

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Na madrugada do dia 26 de abril de 1986, um teste de rotina na central nuclear de Chernobyl originou um acidente. Deficiências no projeto, erros operacionais e procedimentos de segurança desadequados causaram danos irreparáveis. A explosão do reator quatro originou o maior desastre nuclear da história, criando uma paisagem trágica, e levando à criação de uma Zona de Exclusão com uma área de 2.600km2, ou seja, uma área ligeiramente maior do que o Alto Minho!

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Os habitantes de Pripyat, com uma média de idades de 26 anos – sendo mais de um terço crianças – foram informados no dia seguinte ao acidente, que tinham pouco mais de meia hora para deixar as suas casas. Deveriam levar apenas o essencial, pois voltariam dentro de dias. Saíram à pressa, mas nunca mais voltaram. Uma camada de radiação invisível e quase incompreensível assim o forçava. Num raio de 30 quilómetros do acidente, mais de 330 mil pessoas que residiam em diversas cidades, vilas e aldeias, foram gradualmente evacuadas para outros lugares da Ucrânia, da Bielorrússia e da Rússia. Nestes três países, seis milhões de habitantes passaram a viver em áreas oficialmente declaradas como contaminadas. Nos meses e anos seguintes, múltiplos trabalhos de limpeza e remoção de materiais radioativos tiveram lugar.

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Desde 1986 que muitos edifícios, casas e apartamentos, e vários objetos foram mexidos, revolvidos e mesmo subtraídos, levados por “exploradores” urbanos e de ruínas, incluindo mesmo objetos fortemente radioativos. A partir de 2011 que a Zona de Exclusão pode ser visitada, desde que por períodos breves e enquadradas em excursões organizadas por agências de turismo especializadas, normalmente em pequenos grupos. Durante esta última década, materiais como livros e bonecos de peluche, diversos fragmentos e objetos, foram dispostos tendo em mente, propositadamente, o olhar do visitante ou turista, preparando, construindo e influenciando estéticas e olhares.

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Em 2016, 30 anos depois do acidente, dez mil turistas visitaram Chernobyl, e eu fui um deles. Passados apenas três anos, em 2019, com a influência da conhecida série da HBO sobre o desastre (Chernobyl, 2019), o número de turistas chegou aos 124 mil. As 76 fotografias desta exposição são da ruinopólis de Pripyat, e foram tiradas no dia 30.4.2016, 30 anos e 4 dias depois do acidente. As imagens foram capturadas num intervalo de tempo de cerca de 4 horas. Esta exposição, que retrata um momento após os 30 anos do acidente, estava prevista para o 35º aniversário do acidente, em 2021, mas a pandemia SARS-COV2, empurrou-a um ano, para 2022.

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A Zona de Exclusão de Chernobyl é a maior área contaminada do mundo; um lugar onde ninguém poderá viver de forma permanente e segura nos próximos milhares de anos. Desde 2017 um sarcófago cobre o reator nº4, prevenindo a emissão de radiação nos próximos 100 anos. Na Zona de Exclusão, apesar dos níveis de radioatividade serem extremamente elevados, a ausência de pessoas tem permitido que a vida animal e a flora se desenvolvam.

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Nos últimos anos, uma reinvenção desta área está em curso. Se as empresas turísticas têm florescido, respondendo ao apetite voraz da experiência de paisagens de desastre e sobretudo de uma cidade fantasma, este imenso território tem também sido aproveitado para acolher centrais fotovoltaicas, e no futuro, Chernobyl poderá vir a ser um local importante de armazenamento de resíduos nucleares com origem noutras centrais.

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Há 10 anos +1, em 2011, isto é, 25 anos após o acidente de Chernobyl, e após um sismo de magnitude 9,0 na escala de Richter, que por sua vez provocou um tsunami, aconteceu aquele que é o segundo pior desastre nuclear da história, em Fukoshima Daiichi, Japão. Aproximadamente 160 mil pessoas tiveram que ser deslocadas, e até hoje não puderam regressar a casa. Diferentes estudos mostram que Fukoshima pode ter emitido entre um décimo da radiação de Chernobyl (50 a 200 milhões de curies – cada curie equivale a 37 mil milhões de becquerels), ou ter sido mesmo pior que Chernobyl, em termos de contaminação global. Este desastre veio mostrar que acidentes em centrais nucleares podem ser independentes das condições sociopolíticas.

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Apesar destes dois acidentes tenebrosos, existem atualmente 439 centrais nucleares em funcionamento, em 32 países diferentes. Há também 55 centrais em construção (Agência Internacional de Energia Atómica, janeiro 2021). Nas económicas mais avançadas, a média de idade das centrais é superior a 35 anos, e muitas centrais têm mais de 30 anos (90% nos EUA, 83% na EU, 61% na Rússia), aproximando-se do fim de vida planeado. Há, no entanto, um certo renascimento da energia nuclear, alimentado por um lado por discursos associados à transição energética e descarbonização, e por outro, pela suposta autonomia de produção, no contexto de um mundo crescentemente complexo geopoliticamente. Mas existem diversos problemas associados à produção de energia nuclear. Aponto aqui apenas três.

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Em primeiro lugar, a possibilidade de um desastre nuclear existe sempre, ainda que vários cientistas e políticos aleguem que os avanços tecnológicos e de segurança o tornem residual.  Em segundo lugar, a energia nuclear produz resíduos radioativos que têm que ser armazenados durante centenas ou milhares de anos. Este armazenamento contém os seus perigos e riscos. Aliás, as centrais nucleares e as infraestruturas que albergam materiais radioativos, podem-se tornar alvos vulneráveis em confrontos militares, como temos assistido nos últimos tempos, com a invasão militar Russa da Ucrânia, e em lugares como Chernobyl ou Zaporizhzhia. Em terceiro lugar, existe hoje uma concentração na produção global de urânio em poucos países, o que pode implicar várias dependências: em 2019 Cazaquistão (43%), Canadá (13%), e Austrália (12%) produziram mais de dois terços do urânio global usado nas centrais nucleares.

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A propósito da necessária transição energética, a Comissão Europeia declarou recentemente que a energia nuclear é elegível para financiamento como sendo verde e sustentável. Vários países europeus, entre os quais a França, República Checa ou Bulgária, querem mesmo construir mais centrais. Alemanha e Áustria, assumem que querem terminar as que têm. Portugal é um país livre de centrais nucleares, ainda que na vizinha Espanha existam sete. Uma destas, Almaraz, localiza-se bem próxima da fronteira portuguesa, junto ao rio Tejo.

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João Sarmento, abril 2022

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