Editorial

A morte é um atirador furtivo

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Damião Cunha Velho

Todos tentamos, de forma mais ou menos consciente, perceber as razões da morte. Das muitas que vamos decifrando há sempre alguma coisa que nos escapa. Por incapacidade, por desconhecimento ou talvez porque a morte tem razões que a nossa razão desconhece.

Em miúdo, na escola primária, todos os alunos iam em fila indiana da escola até ao hospital para serem vacinados. Quando as professoras tentavam organizar a fila, ninguém queria ficar à frente porque tínhamos medo que a vacina fosse dada numa injeção. O primeiro a ser vacinado é que dizia se eram gotas, de que ninguém tinha medo, ou a temida injeção. Nunca me calhou ficar à frente e, enquanto esperava pela minha vez, ocorria-me pensar que a fila para as vacinas era como a vida em direção à morte. Todos fazemos para ficar no fim da fila, mas todos acabámos por ser vacinados.

Hoje ainda faço essa analogia. Sei, no entanto, que uma parte da fuga aos lugares da frente da fila depende de nós: dos nossos hábitos alimentares, do nosso estilo de vida ou como conseguimos controlar as forças negativas da nossa genética. A outra parte não depende de nós. Ou porque a medicina e a ciência ainda não descobriram como evitar a morte, ou porque a vida, sendo uma constante fuga à morte, também é um jogo de sorte ou azar.
Sem pré-aviso, o azar, às vezes, bate à porta de quem menos esperamos. De quem, por várias razões, sabe estar na vida, dá dignidade à vida. A morte não pensa como eu, não segue o mesmo racional. Leva vezes demais quem não merece. Desafia a lógica, a nossa lógica e, como um atirador furtivo tresloucado, dispara aleatoriamente para alguém que, estando na fila, estava algures longe do fim.
A verdade é que depois de vacinados, a vida não acabava, continuou. Depois da vida, não sabemos se tudo acaba, se vamos encontrar um precipício, uma ponte ou simplesmente a continuação da estrada. Sei que para quem cá fica, não sendo igual, poderá “apenas” ser diferente. Por uma simples razão: aqueles que para nós sempre foram imortais, depois de morrerem passam a ser eternos!

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