A morte, essa companheira silenciosa, que habita o âmago do nosso ser é a sombra que nos segue, paciente e inexorável, desde o nosso primeiro suspiro até o último. Ela lembra-nos da fragilidade da vida e da inevitabilidade da nossa finitude.
Cada batida do nosso coração é como um eco sussurrado que nos lembra que a nossa jornada um dia terá o seu fim.
Mas talvez possamos encontrar algum consolo na auto inquirição que sempre nos fazemos: será que a morte é realmente o fim de tudo? – Quem pode afirmar que morrer não poderá ser, afinal… o começo de algo? – Se o for, isso permitirá que a nossa essência a que chamamos ‘alma’, ascenda a outra dimensão, quiçá promissora de um devir mais compensador…
Se assim pensarmos, poderá dizer-se, com esperança, que a morte a trazemos no coração, sim, mas como um feliz pecúlio.»
Como se lembram, meus Amigos, em Outubro do ano passado evoquei os Poetas-Amigos que já partiram. Mas o tema da morte é um assunto sobre o qual todos nós nos recusamos sequer a pensar no imediato, porque no nosso Ser cogitar sobre a nossa inevitável finitude sempre consideramos ser um tema tabú.
Todos sabemos disso, mas o facto é incontornável e, mais tarde ou mais cedo, esses pensamentos instalar-se-ão no nosso consciente e acabaremos por aceitá-los com naturalidade.
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Platão afirmou que ‘a filosofia é uma meditação sobre a morte’. Mais tarde, Cícero escreveu: ‘toda a vida filosófica é um livro da morte’.
Vinte séculos depois, o filósofo, poeta e romancista espanhol George Santayana, criado e educado nos Estados Unidos, sustentou que ‘uma boa maneira de provar o valor da filosofia consiste em perguntar-lhe o que ela nos pode explicar acerca da morte’. E acrescentou de forma categórica: ‘não há cura para o nascimento e a morte, a não ser usufruir o intervalo’.
Por isso mesmo, decidi lembrar o depoimento de outro eminente filósofo, mas este contemporâneo, para nos ajudar a reflectir sobre este tão importante quanto inelutável tema, que é a morte !
Veja-o abaixo.
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‘Não chore por ter perdido um amigo; lembre-se que ele pode ter perdido os nascer e os pôr do sol, mas agora estará a contemplar as estrelas’.
Antoine de Saint-Exupéry
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A MORTE, TRAZEMO-LA NO CORAÇÃO, PORQUE É NO CORAÇÃO QUE MORREMOS. É AÍ QUE A MORTE HABITA.
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Por: José Luís Nunes Martins (in: “Filosofias”) – ver apontamento abaixo*.
Nem sempre nos damos conta que a carregamos connosco, mas, desde que somos vida, ela segue-nos de perto. Enquanto não somos tomados pela nossa, vamos assistindo e sentindo,
em ritmo crescente ao longo da vida, às mortes de quem nos é querido. A morte de um amigo é como uma amputação: perdemos uma parte de nós; uma fonte de amor; alguém que dava sentido à nossa existência… porque despertava o amor em nós.
Mas não há sabedoria alguma, cultura ou religião, que não parta do princípio de que a realidade é composta por dois mundos: um, a que temos acesso directo e, outro, que não passa pelos sentidos, a ele se chega através do coração. Contudo, o visível e o invisível misturam-se de forma misteriosa, ao ponto de se confundirem e, como alguns chegam a compreender, não serem já dois mundos, mas um só.
Só as pessoas que amamos morrem. Só a sua morte é a absoluta separação. Os estranhos, com vidas com as quais não nos cruzamos, não morrem, porque, para nós, de facto, não chegam sequer a ser.
Só as pessoas que amamos não morrem. O Amor é mais forte do que a morte. O sofrimento que se sente é a prova de uma união que subsiste, agora com uma outra forma, apenas de…. Amor.
Dói, dói muito. Mas com a ajuda dos que partem acabamos por sentir que, afinal, não fomos separados para sempre…
O Amor faz com que a nossa vida continue a ter sentido. A partida dos que foram antes de nós ensina-nos a viver melhor, de forma mais séria, mais profunda, de uma forma, inequivocamente, mais autêntica.
Devemos cuidar de todos os que amamos. Aos que partiram, porém, aquilo que lhes podemos dar é o amor àqueles que ficaram cá. Porque estes continuam a precisar de nós, do melhor de nós… e é sempre uma iniquidade quando um amor por quem partiu, mata em alguém o amor por aqueles que ainda cá estão.
A morte ensina-nos que o Amor é perdoar mais do que vingar; consolar mais do que ser consolado; partilhar mais do que acumular; compreender mais do que julgar; dar, darmo-nos, oferecer o melhor de nós, mais do que termos o que sonhámos.
Não é difícil compreender que os nossos sentimentos e gestos são determinantes, não só para a nossa felicidade neste mundo, como também para a da outra vida, de que esta faz parte. Repousa em nós, calma e firme, a certeza de que a vida não se mede pela quantidade dos dias… mas pelo amor de que se foi.
Chorar a morte de um amigo é a prova de que a sua vida aqui teve valor e sentido. É o mesmo amor que nos deu alegria à vida que nos faz agora chorar… não desapareceu, está vivo. Habita-nos o coração.
Ficam as lágrimas choradas no silêncio do fundo de nós. Fica o silêncio onde se ama. Fica a esperança, que é certeza, de que todo o carinho e ternura que ficaram por dar não se perderam… adiaram-se apenas.
Afinal, a mesma morte que leva os que amamos, também nos levará a nós… será, pois, uma simples questão de tempo até que possamos abraçar e beijar aqueles a quem, agora, disso a morte nos impede.
No fundo do nosso coração, bem mais fundo do que a morte em nós, está Deus. A Deus peço a confiança na eternidade do Amor; a Deus peço que ajude os que neste momento sofrem a dor do espinho que a morte crava; a Deus peço que me continue a ensinar e a ajudar a Amar com todas as forças de que sou capaz.
* Apontamento:
José Luís Nunes Martins nasceu em 1971. É filósofo, escritor e cronista. E declara professar o ‘existencialismo cristão’.
Trabalha nas áreas da comunicação e da gestão de crises/emergências.
É autor de vários livros, e tradutor.