Editorial

A Páscoa da avó Rosarinho

Passar a festividade da Páscoa, na casa da avó Rosarinho, significava estar de férias, encontrar amigos, tios, primos e principalmente comer muitos doces.

Comer o folar, amêndoas torradas, de chocolate e de licor, os célebres folhados com doce de ovos, o toucinho do céu e o famoso pão de ló da avó.

Era tudo uma delícia de comer, e chorar por mais.

Os mais velhos regalavam-se, com o cabrito e as batatas assadas, no forno de lenha, e o arroz de miúdos, tudo regado com um bom vinho, e no fim da noite, uma amarguinha envelhecida em cascos de carvalho francês, servida pela avó.

Era este o ritual festivo da Páscoa na casa da avó.

No dia de Páscoa a avó tinha sempre a preocupação, de fazer entender aos mais novos, o verdadeiro significado religioso, da celebração da Páscoa. Que era a mensagem mais bonita de Jesus. A ressurreição! A vitória da vida sobre a morte.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Obviamente os netos mais velhos, colocavam muitas questões, de carácter religioso e filosófico.

A avó que adorava ler, tinha sempre um livro de acordo com a idade de cada um, e marcava uma data, para conversar sobre tal ou tal assunto. Depois dos meninas e meninos terem lido o livrinho todo, vinha a conversa.

Essas conversas a dois, aconteciam quase sempre, debaixo da nogueira centenária, sentadinhos no banco de pedra.

Quase todos os anos, era costume chegarmos antes do quinto domingo da Quaresma.

Regra geral havia sol, e muita vontade de correr e brincar cá fora. Era uma alegria enorme, apanhar as flores do campo e do jardim, correr atrás dos cães e montar na velha égua branca “a Formosa”, que até dobrava as patas dianteiras, para nos facilitar a vida.

No dia de receber a cruz, a avó punha uma mesa festiva, logo pela manhã.

A mesa era comprida e tinha uma toalha de linho bordada, com crivo, e com bainhas abertas a toda a volta, e tudo feito à mão. Era belíssima!

Os pratos eram brancos, com uma florzinha azul pequenina a toda a volta, e os copos de cristal. Na mesa havia ainda dois velhos candelabros com velas, e um pequeno arranjo com flores azuis e brancas. A Páscoa era sempre branca!

Quando às onze horas da manhã, se ouvia o rapaz do sino a chegar ao portão, já lá estavam os homens da casa, bem vestidos e de gravata. As meninas e senhoras da casa, já  tinham colocado as flores brancas e os ramos verdes a indicar o caminho à cruz, ao sacerdote, ao mordomo e todos os acompanhantes.

O rapaz do sininho, as meninas das amêndoas, as dos raminhos e a que distribuía a oração que todos iríamos rezar. No fim os cantores do coro, cantavam a Aleluia.

O sacerdote entrava e ao mesmo tempo que benzia a casa com água benta, desejava os votos de paz a todos os presentes. Depois a avó pegava na cruz, beijava-a e entregava-a ao filho mais velho, para que ele desse a cruz a beijar a todos. Infelizmente o avô já não estava fisicamente entre nós. Mas estava a sua fotografia perto de uma cruz.

O sacerdote falava um pouco, tomava um café e aceitava uma fatia de pudim e um bocado do pão de ló da avó.

No fim provava um vinho do porto, cujo rótulo da garrafa dizia: ” Rosarinho 1990″, pois pertencia a uma colheita particular das caves, de um primo do Douro. Era só para as ocasiões especiais.

Todas os presentes estavam bem dispostos e com apetite.

No fim a avó pôs um envelope num saco, agradeceu e desejou ao sacerdote umas santas Páscoas.

Todos os anos na Páscoa se cumpria este ritual. Ao cair da tarde, reuniam-se todas as cruzes da freguesia na Igreja paroquial e as pessoas dançavam e cantavam no adro. Tudo isto acompanhado por foguetes. Era o fim da festa.

Ao fim do dia os mais velhos ficavam a conversar na varanda, os mais novinhos iam dormir, nós os jovens, as crianças e os adultos ficávamos à espera das perguntas ou novidades  da avó.

Naquele domingo o assunto foram as eleições autárquicas, a avó elegeu o  assunto, e aproveitou para dizer que o padre tinha sido muito criticado no quinto domingo da Quaresma.

A leitura do Evangelho, de entre os quatro evangelistas: S. Mateus, S. Marcos, S. Lucas foi a de S. João que foi lida (S. João, 8,7).

E a frase dita por Jesus no jardim das oliveiras, e escrita pelo evangelista S.João era a seguinte: “Quem de entre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra. ” (Jo 8,7).

Referia-se obviamente aos senhores da lei, que levaram a mulher adúltera, junto de Jesus, pois à luz da lei de Moisés, antes de Cristo, a mulher seria apedrejada até à morte.

Jesus ficou sereno, e em silêncio algum tempo, e depois disse a tal frase tão conhecida.

Ora o sacerdote aproveitou para apelar à boa educação, e à justa compreensão daquela frase, porque já todos os candidatos tinham cometido erros, tinham gasto mal o dinheiro e tinham insultado uns e outros. Posto isto dizia ele, que fosse para a justiça o que lhe pertencia. Que as dívidas de uns e outros fossem pagas à freguesia, e que falassem uns dos outros com moderação. Uma vez que na opinião dele, nenhum dos candidatos estaria isento de culpa, dívidas, erros ou dinheiro mal gasto.

Assim, pedia o sacerdote que uma vez regularizado, pago e resolvido o passado, se concentrassem os candidatos e as pessoas, nas carências e necessidades do presente e do futuro.

Pois muito bem, dois ou três candidatos, optaram por interromper as respectivas campanhas, por não terem assuntos para falar.

Gargalhada geral na casa da avó!

De tal modo estridente, que até o “Orus”, um rafeiro enorme, todo preto e de olhos verdes. Filho de um perdigueiro e mãe desconhecida, acordou assustado e ladrou pela casa toda, durante pelo menos meia hora.

Na língua portuguesa, há muitos ditados populares, cujo significado é próximo desta frase, um muito conhecido é o seguinte:

“Quem tem telhados de vidro, não atire pedras no telhado do vizinho!”.

 

 

4 comentários

  1. Encantador!
    Nem sabia que ainda era possível escrever assim ni sec. XXI no norte de Pirtugal.
    Parabéns, aguardando o desenvolvomento dos temas e, sobretudo, o estilo….

  2. Doces.
    Avó.
    Páscoa.
    Gosto dos brancos.
    Depois. José Cachadinha, faz-se dieta de doces.
    Se não quiser não com doces.
    Boa Páscoa amigos no MD.

  3. Exmo. Senhor B. Barata,
    Reconheço a sua sapiência.
    Antes, reconheço, a minha ignorância.
    Não aceito o i, de inteligência artificial, quando o problema está na natural.
    Li artigo de especialista.
    Boa Páscoa.

  4. Exmo. Sr. T. Esteves;
    Não sei o que leu, eu não li mas, concordo consigo.
    “Pois muito bem, dois ou três candidatos, optaram por interromper as respectivas campanhas, por não terem assuntos para falar.”
    E aproveito para lhe desejar uma Boa Páscoa , como no tempo da Avó aqui descrito.

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