A Recusa (6)

Ulrich é convidado por dois instrutores a ir até ao campo de tiro para exercícios de revólver 7,62 mm de sete tiros e metralhadora kalshnikov.

No campo de tiro, os instrutores iniciam os exercícios com as armas, explicam o principal manuseamento e certos pormenores de zelo e segurança: desarmar e armar ambas as armas, limpeza e manutenção, ter em atenção ao projéctil na câmara, verificar dispositivo de segurança. É fiel depositário das armas, em caso de desaparecimento está sujeito a conselho de guerra…

Depois de breve explicação, teórica e prática, os instrutores iniciam a sessão de tiro. O Comandante Ulrich com o revólver nas mãos não diz nada, sente arrepios como se de um bicho repugnante se tratasse, pela primeira vez na sua vida possui uma besta na mão que mata, uma coisa que mata deixa-lhe a sensação estranha… está ao rubro, perante o ponto de mira, círculo vermelho a cerca de 30 metros. O formando não reage, uns segundos paralisado, olha a arma na sua mão, mão que sempre dignificou o seu desempenho pessoal e social, estático vira-se para o instrutor e diz:

– Não, não consigo, desculpe, não consigo, nunca tive uma merda destas nas mãos…

O instrutor por uns segundos, olha o formando, e pensa: – também não percebo, tens razão. Agarra com a sua a mão de Ulrich, sustenta-a com firmeza:

– Faça o que eu lhe mando, deixe que a sua mão segure a minha, espreite pela mira em direção ao círculo vermelho, ponha o dedo no gatilho, comprima-o, agora.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

O sistema da arma funcionou dando o disparo sem destinatário, ao mesmo tempo que dá o disparo, a arma cai no chão, surpreendendo os interlocutores…

Com o prepósito ou não, o insucesso do ensaio trazia vantagens para Ulrich e pouco a pouco, na medida em passava estando sujeito aos requisitos, o Comandante descobria motivos contraditórios a seu favor, ou seja, que contribuísse para provar a sua inutilidade naquela coisa das armas e da sua função vácua de Comandante…

Depois de ter realizado vários exercícios, o instrutor deixa o formando sozinho à sua rudimentar experiência.

– Está a ver é simples… agora vai disparar sozinho.

– Não consigo, desculpe já disse, não consigo! – Com vontade de virar costas à coisa, responde Ulrich nervoso.

– Consegue, consegue. Quando tiver que enfrentar o inimigo de frente, tem que escolher ou ele ou você…

Assim permaneceu Ulrich no campo de tiro mais de três horas com os dois instrutores, um para o revólver outro para a metralhadora.

A pesar de contrariado, aborrecido e triste, Ulrich pensa lá com os seus pensamentos insanos: para que me serve esta merda se não fiz mal a ninguém, e, esta coisa de ser patriota, nunca o fui, não é agora que um inútil como eu se vai armar em guerreiro… mas, pensando bem, não tenho alternativa, ou aceito ou rejeito… depois seja o que for…Enganado ou não, se for obrigado a fazer parte desta gente e ter de ir com ela não sei nem imagino para onde…eles não querem que se diga guerra, para mim, nenhum Marechal por mais poderoso que seja me proíbe de dizer:  guerra, guerra, guerra, foda-se…!

– De facto, nestas circunstâncias, saber manusear esta coisa não sei para que serve! Para me persuadir a proteger de alguém, que coisa! Se for para a guerra, por este andar, o mais certo, matar ou ser morto…enfim, tragédia, com esta idade o que me havia de esperar! Tenho a sensação, pressinto, que no momento de partir vou recusar…. Enfim, venha o Diabo e escolha…

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Por que os anos não perdoam, Ulrich, depois de mais de três horas em exercícios no campo de tiro com as armas nas mãos, que aliás, nada aprendeu senão a aberração alienada da estupidez dos disparos ao alvo,  ao regressar à sua área de bem-estar, messe de oficiais, à sua espera tem o Tenente Sénior (2º comandante) para lhe apresentar o relatório de serviço do dia da companhia e conhecer ou apresentar planos para o dia seguinte. Vergado com a moral em baixo, mal-disposto, com dores no corpo, responde:

– Trate o Sr. Tenente Dimitróve do relatório, eu não estou em condições, sinto-me esgotado e doente tenho muitas dores na mão e no antebraço direito, um zumbido nos ouvidos e dores de cabeça. Preciso ser visto pelo médico.

Ulrich aproveita a oportunidade de estar no seu gabinete a sós na companhia do Tenente 2º comandante, resolve questioná-lo:

– Sr. Tenente Dimitróve, desculpe, gostava de lhe colocar umas breves perguntas, posso?

– Claro que sim Sr. Comandante.

– Está aqui nesta balbúrdia arbitrária por sua vontade própria? – Pergunta timidamente o comandante Ulrich um tanto ou quanto preocupado…

– Meu Comandante, todos nós reservistas estamos numa situação estranha…. Mais adiante falamos no assunto… informo, temos o relatório da companhia para análise.

Entretanto, Ulrich chama as ordenanças, ordena que lhe tragam o médico ou a enfermeira. Não dá importância ao relatório.

– Sr. Tenente Dimitróve faça-me um favor, quando me trouxeram para cá, comigo vinha um vizinho da minha aldeia, chama-se Valentim Ivanov é da cidade de Irkutsk, ele deve estar cá na companhia, gostava que o encontrasse…

– Tem no comando chefe uma lista com os nomes de todos os militares. Ordene as suas ordenanças que lhe tratem disso. Mais uma vez é urgente passar em revista o relatório, há um caso grave para dar resposta disciplinar…

– Curioso, fala-me em relatório e caso disciplinar, interessante, eu não sei nada dessas coisas…! Mas o que é que aconteceu?

– Temos na companhia alguns homens desestabilizadores e perigosos. Houve uma briga que envolver arma branca, por causa disso, dois estão no hospital em perigo de vida!

– Bonito o Sr. Tenente Dimitróve, acha que eu tenho ou nós temos pulso para dominar essa gente?

– Temos de ter, meu Comandante.

– Como é possível, repressão, sentenças, castigo? Não, não é comigo.

– Claro, essa gente só a baixo de bicho, devem ser presos. Aliás, presos são eles, nunca de lá deviam ter saído

– Bom, essas coisas não sei como se fazem, mas se há crime com provas devem ser reenviados para a prisão e sentenciados imediatamente.

– Há provas e comprovadas. Eles fazem parte dum grupo de 27 homens perigosos que foram soltos das grades para fazerem parte desta “operação especial”.

– Desculpe, não compreendo…

– Meu Comandante, sumariamente sou de opinião que estes dois energúmenos, sem mais discussão, voltem para a prisão imediatamente, assine aqui…

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 (Continua no próximo capítulo)

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