Editorial

Acerca das propostas do Ministério da Educação
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Paula Veiga

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Analisando as propostas do Ministério da Educação, apresentadas aos sindicatos, na ronda negocial dos dias 18 e 20 de janeiro de 2023, facilmente se depreende que este Ministério da Educação não está de boa-fé nas negociações.

E isso é evidente quando, depois de sucessivas ações de luta por parte do pessoal da educação, desde novembro de 2022, que paralisaram, em muitos períodos ou dias, as Escolas, o governo vem para a mesa de negociações com nove propostas, apenas relativas ao Regime de Recrutamento e Gestão de Professores.  Ou seja, o Ministério da Educação fez tábua rasa das várias reinvindicações em curso.

O pessoal de Educação (professores, assistentes operacionais e técnicos) reclamam estabilidade no exercício das suas profissões, o que implica acabar com a precariedade das suas carreiras e dos seus vencimentos, bem como melhorar as condições para o exercício das suas funções. São, assim, várias as suas reclamações, nomeadamente: acabar com o roubo de tempo de serviço docente (quase 7 anos); abolir o requisito do pessoal não docente, que para atingir o topo de carreira, teria que trabalhar 120 anos, auferindo salários irrisórios; acabar com a precariedade salarial dos Assistentes Operacionais que, após mais de 10, 20, 35 anos de serviço, auferem cerca de 709€ líquidos por mês; acabar com a precariedade salarial dos Assistentes Técnicos, que tendo funções muito exigentes, auferem o salário mínimo; acabar com rácio de 1 psicólogo escolar por 500 alunos, muitas vezes mais; acabar com a precariedade laboral dos professores contratados com mais de 5, 10, 15 anos ou mais de serviço, colocados a dezenas ou centenas de quilómetros de casa, sem acréscimo salarial para fazer face às despesas de deslocação e de alojamento, ao exemplo de outros cargos e funções públicos, como é o caso dos deputados ou dos magistrados.

Na base destas reivindicações estão, enfim, a criação de melhores condições para garantir uma Escola Pública de qualidade, imbuída da sua verdadeira missão.

Vamos agora à análise das propostas do Ministério da Educação. Começa logo no diagnóstico dos problemas. O governo identifica apenas um problema, o dos recursos humanos docentes existentes, que segundo este resulta da situação de escassez de docentes em algumas zonas e grupos de recrutamento. Este diagnóstico peca por falta de visão, uma vez que as medidas propostas visam resolver esta escassez no imediato, não resolvendo o problema de fundo, que  é atrair mais profissionais para a área de educação. E tal só é possível se a carreira docente tiver condições de atratividade, isto é, remunerações compatíveis com a exigência das funções exercidas e condições de exercício estáveis, que neste momento não existem, o que afasta o interesse por qualquer profissão ligada ao setor educativo, sobretudo no que respeita à carreira docente.

Como se diz em bom português “não é possível fazer omeletes sem ovos”. Ora não existindo estes requisitos base, nenhum outro problema poderá ser resolvido e tudo o que for proposto serve unicamente para escamotear a situação caótica em que a educação se encontra, não resolvendo absolutamente nada! Melhor dizendo, todas as propostas são, portanto, um “remendo” aos reais problemas.

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Na proposta um, o Ministério da educação propõe o redimensionamento dos atuais Quadros de Zona Pedagógica, de 10 para 63, que  para quem não entende nada do assunto, parece mesmo a solução de todos os problemas relativos à  colocação de professores. Um tremendo engano, porque ao subdividir os atuais Quadros de Zona Pedagógica, de enormes dimensões, não foram acautelados alguns critérios de dimensionamento geográfico e outros importantes, relativos a fatores comunitários e de identidade local, parecendo mais uma manta de retalhos redimensionada à sorte.

No fundamental, a situação até piora, porque na proposta seis, relativa à Gestão dos recursos humanos docentes, o ME prevê a colocação de docentes em mais do que um Agrupamento de Escolas, para cobrir a insuficiência de professores, embora sob condição prévia de aceitação. Transpondo isto para os restantes profissionais de educação, fica aberta a possibilidade destes recursos humanos serem mobilizados da mesma forma. O ME fala, e bem, em gestão eficaz de recursos, esquecendo-se de acautelar um requisito fundamental para o exercício da carreira docente – a estabilidade, uma vez que os professores terão de continuar de “casinha às costas”. Em percursos mais curtos e mais perto, dirão. Um engano, porque os professores terão que percorrer largas distâncias, a expensas próprias, para cobrir horários em mais do que um Agrupamento. Essa realidade já existe atualmente entre os professores contratados, que para cobrir horários com componente horária reduzida, concorrem a mais do que um horário. É também contra estas condições precárias que o pessoal docente e não docente está em luta.

Conclui-se, portanto, que mais umas “migalhinhas” serão distribuídas. Os professores até podem vincular nos denominados Quadros de Zona Pedagógica, mas permanece o risco de terem que continuar a percorrer muitos quilómetros. Continua a ser “poucochinho” para quem tem que exercer tão exigente função, sobretudo no que respeita à estabilidade.

Mais grave ainda é a proposta cinco, que contempla a criação dum Conselho de Diretores, que irá proceder à gestão dos recursos. Este Conselho de Diretores, originalmente associado à ideia de Municipalização da Educação, parece ser premissa fundamental do ME, fazendo antever que persiste, por parte do governo, a intenção de deixar uma porta aberta à tão contestada Municipalização.

Os profissionais de educação contestaram sempre a criação deste Conselho de Diretores, sendo entendimento geral que existe a necessidade de remodelação do modelo de gestão educativa atual, mas não nestes termos. Atualmente os diretores de Agrupamento são eleitos pelo Conselho Geral, o que é já considerado uma subsversão à gestão eficaz das Escolas, sendo que estes deveriam ser eleitos pelo pessoal de Educação, ao exemplo do que acontecia antes. Portanto, esta proposta é encarada com redobrada desconfiança.

Depois, a proposta nove, que prevê a redução do número de tarefas administrativas dos professores, para que se possam concentrar no ensino, mais parece um “rebuçadinho” para apaziguar os ânimos, em meio a tantas propostas cheias de vazio. Esta mesma proposta diz que serão criados  índices remuneratórios para professores contratados correspondentes aos existentes na carreira, em função do tempo de serviço acumulado, mas com um limite bem estabelecido – o índice 205. Traduzindo, esta proposta é uma perfeita falácia, já que efetivamente estabelece um limite à progressão salarial, sendo que os professores contratados não serão efetivamente reposicionados no índice a que lhes corresponderia. Mais um “rebuçadinho”, este bastante envenenado, porque visa criar disrupção entre a classe docente. Aliás, quase todas as propostas contêm, em si, esta característica. Como comummente se diz “dividir para reinar”. Só que, desta vez, o pessoal de Educação, cansado de ser humilhado, está unido e  decidido a não desmobilizar nas suas reivindicações.

É caso para dizer – “acordaram o monstro”, que neste caso já nada teme. Mais vilipendiado na sua dignidade não pode ser. Estas tentativas de “atirar mais areia para os olhos”, apenas têm o efeito de retaliação, que originarão mais protestos.

Estas propostas não vêm introduzir nenhuma novidade essencial, sendo consideradas, por muitos profissionais de educação, uma forma encapuçada de introduzir alterações para viabilizar a Municipalização da Educação. Mudaram-lhe a forma e as denominações, mas na base permanecem as intenções.

Pior ainda! Num setor tão fundamental como a  Educação, pilar de uma Nação, se os problemas continuarem a ser ignorados ou tratados numa perspetiva tão redutora, já para não a apelidar de irresponsável, o futuro da Educação estará irremediavelmente comprometido, com as consequências inevitáveis, que porão em causa o futuro de uma Nação inteira.

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