Todos nós trazemos da nossa infância retalhos e memórias que levaremos para toda a vida. Até os menos bons, o que não é o caso de hoje.
Não há quem não se lembre de algo menos correcto que fez ou que lhe fizeram, concluindo que: naquele tempo é que era?
Sem querer entrar por aí, porque não faz parte da narrativa que adiante desenvolverei, posso falar por mim e pela imensa felicidade que tive na minha infância, puberdade e adolescência.
Sempre vivi rodeado de árvores e de castanheiros, em particular. Ou eu era muito pequeno ou, efectivamente, esses castanheiros eram enormes. Ou as duas coisas?
O certo, é que, por meados de Agosto já íamos provar as primeiras castanhas, as do leite, como nós lhes chamávamos talvez por estarem sem criar e serem brancas como o leite.
Ansiávamos pelo tempo das castanhas, como antes o fizemos com as cerejas, e outras frutas. Vivíamos tempos de enorme liberdade para fazermos todos o tipo de brincadeiras, dentro dos parâmetros daquele tempo, muitas das quais exigiam boa preparação física.
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Entre um jogo, com uma bola inventada, ou o aguerrido jogo da Bilharda, desmoíamos tudo o que comíamos ao almoço, razão pela qual, ter castanhas à mão de semear dava um enorme jeito para repor as energias.
Porém, os castanheiros tinham donos e estes na altura certa, com as suas criadas procediam à apanha das mesmas e ao fim, faziam constar: agora, as que houver, são para vós?
Um terço das castanhas, ficavam por apanhar, porque os castanheiros eram muito altos e as criadas não tinham como lhe chegar. Nada que a nós nos metesse medo.
O Lino trazia uma enorme vara de eucalipto, com um gancho na ponta que era da Avó ir ás pinhas e aos ramos secos dos pinheiros, e, sem conseguir chegarmos à totalidade da árvore arranjava-mos muitas e enormes castanhas. Também havia quem conseguisse trepar a árvore.
Por meados de Novembro, chegavam os primeiros emigrantes, aqueles que no Natal não podiam vir. E eram eles que nos compravam as maiores castanhas que geravam a receita suficiente para comprar uns dez rebuçados, na mercearia ao lado, por cada castanha das grandes.
Caminhavámos uns duzentos metros, acima, local onde o senhor Miguel, tinha o seu alambique que por esta altura começava a funcionar por muito tempo.
Porém, no início do Verão ele comprava um camião de aparas de madeira, na serração que havia na vizinha freguesia de Campos e que no Outono serviam para alimentar a fornalha do seu alambique, para fazer a aguardente
O camião, de cor cinza e da marca Volvo, com duas bolinhas encarnadas, à frente, uma de cada lado, não tinha báscula e nós, com uma enorme alegria, quais pardalitos, trepava-mos para cima e num ápice fazíamos a descarga das aparas para o chão do caminho.
O motorista era o senhor Brito, não punha um dedo, sequer, numa apara.
O acto seguinte era, fazermos umas padiolas com duas tábuas, ao jeito e, aos poucos, no meio de uma correria e muita alegria, levávamos as aparas para o barraco do senhor Miguel.
Aquilo que, para o senhor Miguel, era um trabalho exaustivo, até, porque andava pelo Inverno da vida, para nós constituía um momento de pura diversão.
Ali, as aparas secavam para depois alimentar o forno do alambique.
O senhor Miguel, foi para mim, o Avô que não tive. Era, uma pessoa culta, muito à frente para aquele tempo e nutria um carinho especial pelas crianças. Mas estava no Inverno da vida.
Dele, guardo outras e boas recordações, afinal éramos vizinhos apenas neste período do Outono.
Chegávamos ao seu alambique com um saco de castanhas, sem que ele perguntasse de onde elas vinham.
Acto contínuo, punha-as a assar e nós, quais glutões, íamos comendo em grande confraternização.
Não me recordo de, ele, alguma vez ter comido alguma castanha. Ele ficava feliz só de estar rodeado de crianças, que apesar de serem bastantes não se ouvia uma voz mais alta que outra.
Mas foram as mesmas crianças que, sem ele o pedir, e no pino do Verão, lhe levaram as aparas que faziam funcionar o seu alambique.
Não assava para mais ninguém. Nós tínhamos esse carinhoso privilégio.
Muito obrigado, tio Miguel!
(José Venade não segue o actual acordo ortográfico em vigor).
2 comentários
Excelente texto.
Também sou do tempo em que ia debaixo dos castanheiros apanhar castanhas,e várias vezes ficava com os picos dos ouriços nos dedos.
Atualmente a juventude não aprecia o que tanto gosto dava na minha geração.
Que bom Susana Faria ainda ser desse tempo.
Não é, obviamente, o meu, mas teve essa experiência.
Muito obrigado pelo seu comentário.