Editorial

Barbatanas

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Joaquim Letria

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Há uns anos, graças à famosa “Guerra do Bacalhau” entre a Islândia e a Grã Bretanha, fui despachado em boa hora para a capital islandesa, Reykyavik, de onde acompanhei   esse conflito para a agência de notícias em que então eu trabalhava.

Recordo-me que fiquei muito contente porque contra a vida rotineira que eu então cumpria, a Islândia e os Islandeses pareceram-me o Rio de Janeiro em dia de Carnaval.

Foi portanto a política corrente e a diplomacia da canhoneira que me deram a oportunidade de conhecer a ilha do gelo, a orgulhosa gruta dos “vikings”, esse país fascinante governado por mulheres, cujo aeroporto cheirava a bacalhau e cujas lanzudas ovelhas tinham um olhar tão triste que quase nos faziam chorar.

Guardo na memória recordações nebulosas pelo tempo transcurso, farrapos de saudades, como imagens duma exposição, um varredor a cantar enquanto varria a rua mais imaculada que eu vira na minha vida, a solidão duma árvore açoitada pelo vento do  Norte, a cor de cinza do mar, iluminado por pálidos raios solares.

Recordo de forma mais definida  o modo como os islandeses aplaudem. Sem querer ferir os ilustres descendentes de  Naddod, Gardar  e Ingolf Arnarson , os islandeses são os entusiastas mais torpes do mundo quando aplaudem. Mexem os braços lentamente, chocam as duas mãos com o mesmo vigor e entusiasmo das focas quando batem as barbatanas. Ao pé dos islandeses, os dinamarqueses   parecem andaluzes e os suecos magrebinos.

Não esqueço um concerto da Polícia Municipal de Reykyavik, o seu coro e a comovente canção “Ohei,Ohei”, a qual  entusiasmou o público assistente por certo pelo calor da letra, já que a música não era nada de especial.

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Não necessito de voltar à Islândia para recordar aquela estranha forma de aplaudir. Mato saudades quando vejo  pela  ARTV certas bancadas parlamentares. Quando os chefes se deslocam ao Parlamento, parecem focas amestradas, desejosas de equilibrarem uma bola na ponta do nariz.

Quando estive na Islândia pude observar a justa e competente supremacia das mulheres. O País era então liderado pela Dra. Vigdis  Fingbogadottir, uma simpática senhora em quem me pareceu vislumbrar um secreto desejo de ser aplaudida por uma bancada parlamentar de focas amestradas lideradas por um seu número dois que a aplaudisse com o vigor dum viking.

Não guardo da Islândia mais do que farrapos de recordações dispersas. Para alguma coisa serve viajar. Os leitores bem podem experimentar se não é verdade que os aplausos se podem transformar em excitantes livros de viagens.  Basta observarem certos grupos parlamentares a baterem as barbatanas.

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