Bicadas do Meu Aparo: Os meninos de hoje

Escritor de Aldeia *

Os meninos não podem sair da nossa beira porque não podem estar sozinhos.

Os meninos não podem ficar no recreio a brincar quando os professores faltam – são levados para alguma aula de pseudo-apoio. Se os meninos ficassem no recreio a jogar à bola e se por acaso se magoassem, o que seria dessa escola! Os pais poderiam até processar a instituição de ensino!

Os meninos não podem ir a pé ou de autocarro para a escola porque perigoso.
Os meninos não se podem sujar ou magoar. Os meninos saltam de pais para os avós, para a escola e para o ATL, para a piscina, para o inglês, para a música, para o karaté, para o futebol, para a patinagem e…

Os meninos têm de estar sempre ocupados e nunca sozinhos. Os pais têm de ganhar dinheiro para andarem sempre bonitos e com roupa de marca. Caso contrário, os colegas poderiam até gozá-los.

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Os meninos têm de ter festas de aniversário e tem de ser com a turma toda e num sítio onde tenham brinquedos, escorregas e palhaços. Algum sítio onde alguém se responsabilize pelos filhos dos outros, de preferência.

Os meninos não comem sopa e verduras porque não gostam. Os meninos saem da mesa quando querem e passam o
tempo livre entre smartphones, tablets e computadores. Mesmo enquanto comem, coitadinhos, tem de haver alguma coisa para os entreter.

Os meninos não ajudam em casa porque são meninos.

Não há meninos burros, arruaceiros, preguiçosos, distraídos, nem mal-educados.

Nada disso. Os meninos são todos bons e muito inteligentes. Todos. E todos os anos há meninos finalistas e festas de finalistas, viagens de finalistas, praxes, do primeiro ao último ano da escola, porque são muito inteligentes.

Os meninos não se podem defender sozinhos; para isso é que existem os pais, os psicólogos, os professores e até os tribunais. Os meninos têm explicações desde a escola primária porque precisam de toda a ajuda possível.

Se não estão atentos nas aulas, a culpa é do professor.
Até que um dia, os meninos se veem subitamente fora de casa e da escola e longe de todas as pessoas que  costumam controlar os seus movimentos e pensamentos. Longe daqueles que lhes disseram sempre que os meninos não são responsáveis nem culpados daquilo que fazem.

E só aí, longe pela primeira vez, começam a aprender a ser pessoas, a respeitar a liberdade e o espaço dos outros. Só aí entendem que cada acto tem uma consequência. E torna-se difícil – que a pegada dos meninos agora é grande e os erros notam-se como patas de elefante em cima de nenúfares.

Pensavam que podiam fazer tudo o que lhes apetecesse, mas afinal não. Ninguém lhes tinha dito nada.

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Ficam muito assustados (pudera) e não entendem.
Voltam para casa e perguntam aos pais: o mundo é mesmo assim, papás?
Porque não avisaram antes?
E nessa altura, levam um soco – a primeira dor das suas vidas.
Deixaram finalmente de ser – e da pior forma – meninos.

Tradução e redução do texto de Artur Soares

* O autor não segue o acordo ortográfico de 1990

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