Artur Soares
Escritor d’ Aldeia
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No momento presente, estarão ou irão discutir os políticos deste cinzento país, os grãos de arroz que devem dar aos ex-combatentes da guerra do Ultramar, por haver entre eles milhares de doentes, stressados de guerra, e outros milhares que não têm um naco de pão e uma sopa para comer, a menos que a caridade os sustente. Até o Partido Comunista (PCP), já apresentou dúvidas se, se deve dar esses grãos de arroz a estes manipulados militares milicianos de então.
Eis a forma como a Nação e os políticos pagam a quem foi obrigado a combater! Eis como os herdeiros do fim da guerra colonial, militares de carreira e políticos, reconhecem os mortos e os stressados de guerra!
Mas a culpa não é somente dos frios e indiferentes políticos que temos tragado desde 1974. É também de Coronéis, Brigadeiros e Generais, que nesta data devem viver na fofa poltrona a aposentação, e nunca nada fizeram por estes inocentes e despolitizados (na altura) ex-militares. Mandaram-nos para os aromas do capim, para zonas sem água e com rações de combate às costas e com cheiro a pólvora em ambientes de morte. Hoje e ontem, estes Coronéis e Generais não sabem quem são nem onde estão os stressados da guerra do ex-Ultramar! Colmeia de sanguessugas!
A alguns destes militares que regressaram vivos, deram-lhes a côdea de terem direito sem pagar o tempo como militares, para a reforma. Aos que não regressaram, há dúvidas seriíssimas na justiça feita e na generosidade do Estado às viúvas e aos filhos menores de então e, quanto aos “stressados de guerra”, cerca de seiscentos mil ainda vivos, o Estado desconhece-os e, quanto a saúde, são beneficiários dos serviços como qualquer cidadão e precisam de consultas de neurologia, de psiquiatria, de acompanhamento permanente para se evitarem violências que podem acontecer e porque precisam de medicação própria.
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Também os ex-militares saudáveis vindos do Ultramar têm culpa: são capazes de organizar uma associação de ex-combatentes em qualquer vila ou cidade. Pouco ou nada fazem por ninguém, são associações ocas e tantas vezes, de gestão duvidosa por gente duvidosa. Não há uma instituição credível, concreta, apoiada e reconhecida pelo Ministério do Exército e que denuncie ao Estado e à Nação as injustiças para com os ex-combatentes do Ultramar.
Foram milhares os que tiveram de ir para a guerra. Cada um viu e sentiu a guerra dentro das suas possibilidades: capacidades intelectuais, físicas, psíquicas, etc. A guerra do Ultramar foi fruto – entre quem governava e entre Coronéis e Generais da altura – de não diálogo e de abusos do poder. Estes que fomentaram a guerra, organizaram e que impunham a sua concretização através de mensagens, nunca tiveram filhos para a guerra, e se alguns havia eram colocados onde se podia comer galinhas à cafreal, bifes de javali, cerveja e bons uísques.
Sempre existiram os “stressados de guerra” onde se faz a guerra. É que a guerra, para quem nela participa obrigatoriamente, é prova provada de que já entra na guerra diminuído. O facto de sentir e saber que pode não regressar da guerra é diminuição absoluta.
Nos palcos da guerra, a guerra proporciona a solidão, terrenos fumegantes, a desolação, a criação de mais espaços nos cemitérios e nos hospitais, o medo, a raiva e, tantos dos que na guerra participam ficam sempre sem a certeza de quem lucrou com a guerra. Mais: a guerra leva, inclusivamente, aos “stressados de guerra”, o desinteresse pela família, da doçura e do aconchego do lar, bem como do afecto dos amigos e de tudo o que os rodeia. O stressado de guerra é um cadáver vivo na vertical!
Pode-se concluir assim, que fazem-se guerras porque os homens são feras de gravata; porque o egoísmo e a prepotência já mataram os seus corações, bem como os cérebros, para a capacidade de pensar e unir.
Logo, é mais que tempo ter-se de olhar de forma séria, resoluta e capaz, o problema destes milhares, criando, no mínimo, em todos os estabelecimentos hospitalares do país, serviços específicos de atendimento aos stressados da guerra do Ultramar, assim como de espaços próprios de convívio, de lazer, com passatempos organizados onde possam sentir que existem, que são pessoas, embora doentes.
O que o presente texto contém e afirma, é o néctar que brota do meu ser e que poderá mobilizar juízes que me queiram sacrificar. Mas, se um só stressado de guerra do Ultramar beneficiar deste texto (e não devia ser necessário escrevê-lo), esse, será meu irmão gémeo e sofredor, neste palco cobarde em que todos os ex-combatentes vão envelhecendo/morrendo, como eu.
(O autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico).