BICADAS DO MEU APARO: Técnico de Turismo Final

Artur Soares

Escritor d’ Aldeia

Comprei um jeep topo de gama, seminovo, mais barato vinte mil euros, por falta de pagamento do proprietário anterior, porque na sua empresa recambiava-se os dinheiros para a Suíça e depois abriu falência “por falta de exportação e de consumo nacional”.

Como estava um tempo primaveril – muitos até já apontaram prejuízos para o Estado pagar, devido à terra estar imprópria para semear – convidei a minha Quinhas a estrearmos o Jeep, penetrando nesse mundo rural em busca de passatempo, duma saborosa lampreia e um tacão de boi.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

 

Com esse espírito metemos os pés ao caminho, isto é, metemos os pés dentro do jeep nesse domingo soalheiro, que nos encantou e cuja beleza paisagística agradecemos ao Criador: por tanta verdura, por ladrões que rebentavam das videiras e por tantas e diversas folhas novas que anunciavam a sua juventude. Nalguns terrenos com boas pastagens, as ovelhas saltitavam contentes e alimentavam-se sem restrições do pastor e do cão que as guardava.

 

Circulando sempre estrada-fora e encontrado o restaurante que nos trataria da já profunda fome, entramos e, descontraidamente, matamos quem nos queria matar a nós: a fome. Terminado o repasto, fumei um charuto, um digestivo e pedi a conta.

Tendo de pagar oitenta e um euros pelas duas refeições, ou seja, dezasseis contos e duzentos escudos antigos, reagi, dizendo ao empregado que não tinha sido atendido por pessoal especializado, que as instalações eram de terceira, duma segunda categoria, portanto não se justificava tanto dinheiro.

 

O empregado sorriu e disse que a culpa era do socratismo, do coelhonismo que nos ossificou e do António Costa que faz das pessoas um povo de anjolas, e que eu tinha razão em reclamar. “Mas repare – disse o técnico do turismo activo – é melhor gastar o dinheiro no restaurante do que na farmácia”, argumentou.

 

Assim passei a tarde com o Jeep semi-novo e, a minha Quinhas parecia a Mariana Mortágua e o Francisco Louçã: completamente alheia a crises, fossem quais fossem.

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Só que, no dia seguinte, senti um mal-estar na vasilha e fui ao médico. Expliquei-lhe o domingo de Jeep, da lampreia e seus afins e vai daí receitou-me exames e análises, pelo que, teve de se rectificar os pólipos no intestino, a próstata, a tiróide, o açúcar, os pulmões devido aos charutos, o sangue bom e o mau e, no fim, várias relações de medicamentos com prazos de seis meses.

 

Prevenido com uma saca de plástico, comprada numa loja dos pingos com muito açúcar, por vinte escudos, (dez cêntimos da Troyka), adquiri os medicamentos comparticipados, por cento e noventa e seis euros. E claro, reclamei na farmácia por tão pouca comparticipação do meu ADSE.

O doutor-balconista-farmacêutico, compreensivo foi dizendo: “se quiser deixe os medicamentos mais caros e leve só os baratos. Mas repare: “olhe que é melhor gastar o dinheiro na farmácia que gastá-lo na funerária”.

 

Sempre de jeep a resolver estes problemas e permanentemente com gases orais e com brisas que deslisam pela fralda da camisa, ia pensando nas futuras e possíveis despesas funerárias, pelo que me desloquei a uma agência dessas, na cidade. Entrei e perguntei ao cavalheiro – completamente careca, de terno preto, mas ensebado e demasiado gasto – se podia ser atendido, e que funções exercia na funerária. Disse que era “técnico de turismo final” e dono da loja. “À sua disposição”, disse.

 

Então apresentei-me dizendo: eu sou “Técnico Superior de Lazer”. E perguntei-lhe se podia fazer-me um orçamento do meu funeral, olhando às maleitas que transportava.

 

Sorriu e disse que de facto, ultimamente e devido à crise e aos roubos a que o povo está sujeito pelos políticos destes três últimos Governos (Sócrates, Passos Coelho e António Costa), que tem havido gente que encomenda o funeral a tempo e horas, que fazem seguros em Seguradoras e segundo as vontades de como querem “partir”. “Então, e o senhor como pretende partir desta pra melhor?” – perguntou.

 

Respondi ao “Técnico de Turismo Final” – que por acaso estava presente o Técnico de Profundidades (o coveiro) – que queria um ataúde muito simples por fora, bastante cómodo por dentro, de madeira em pau-preto ou jacarandá brasileiro; carro fúnebre devidamente polido, com dois ramos de cravos pretos – que podiam ser adquiridos na Assembleia da República – porque ou são baratos ou de borla. Pretendo também a presença no meu funeral do Sr. Sócrates, do Sr. Passos Coelho, do António Costa, do presidente Marcelo – pelo seu entusiasmo e sociabilidade – porque uma vez que nos abatem com uma certa velocidade, quero que me atirem, já agora, para a tumba. De pleno direito, quero também no funeral o meu Bispo – continuei – uma vez que exerço cargos e funções a nível de Arquidiocese.

 

O Técnico de Turismo Final ficou hirto, amarelo, estupefacto!

Saiu de ao pé de mim e regressou quinze minutos depois, acompanhado de uma folha saída da impressora e duma máquina de calcular, dizendo que o meu “Turismo Final” ficaria por trinta mil euros, ou seja, por seis mil contos, dos tempos das três anteriores Repúblicas. Sim leitor, das três anteriores Repúblicas!

 

Fiz um sorriso amarelo e disse-lhe que como continuamos a ser roubados, eu e a Quinhas, pelo Governo em que não votámos, em sete mil euros nas pensões por cada ano, que não podia morrer tão depressa, a não ser que o António Costa repusesse as pensões como tem anunciado que fez.

 

O Técnico de Turismo Final, ao ver que não faria o funeral, acrescentou:

“Mas olhe, vale mais gastar já o dinheiro na funerária que andar a sofrer toda a vida”!

Sorri e admirei o mortífero dom industrial do homem. Ao sair, ouvi o Técnico tossir fortemente. Desequilibrou-se e caiu no chão. Não sei se desmaiou ou se morreu de pasmo. Todavia deixei-o e disse-lhe da porta: não conte comigo tão cedo.     

  

(O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico).                                           

 

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