BICADAS DO MEU APARO: Pirologia ou o Homem dos Diamantes

Escritor D’ Aldeia

Tenho um amigo que se especializou na arte de atear o fogo, nas bermas das picadas de Moçambique, com o intuito de dificultar emboscadas ou a surpresa de rajadas de metralhadoras, em fuga.

Antes do regresso da guerra e a bordo do elegantérrimo Vera Cruz, o amigo Belchior tropeçou num saquito com diamantes d’África, escondendo-os e isolando-se de seguida em França, onde, praticamente é dono d’uma Vila. Para se ocupar com algo, tirou um curso superior de Piromante na Índia, exercendo, em Petersbach-França, Piromancia com êxito.

Há dias atrás, deslocado a Portugal em avião particular, devido às imagens (sem alma) televisivas dos fogos na sua terra natal e não só – quis, antes de partir para França, encontrar-me e protestar a forma como acontecem os incêndios em Portugal, nos meses de Verão e noutros.

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Então, devidamente refastelados em sofás com peles de leopardo, numa das salas da mansão e rodeados por seis criados a pesarem entre os cem e os cento e dez quilos cada, foi dizendo o Belchior:

– Tens de concordar que nada deve haver mais belo que ver o fogo a crepitar! Nas minhas casas, criei um sistema com temperaturas abaixo de zero, de verão e d’inverno, só para ver as lareiras com barrotes ou canhotas a arder. É para mim consolo ver fogo nos montes, nos pinhais, nas lixeiras, onde quer que seja. Mas – continuou Belchior – o fogo, como tudo, tem de ter ordem, disciplina. Sendo assim, penso que em Portugal – o país mais lambido por fogos depois do vinte e cinco de Abril – tem de criar uma Universidade de Pirologia, isto é, licenciar incendiários e devidamente estagiados, profissionais de fogo posto.

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Assim, seleccionavam-se homens bem constituídos e que fossem, sobretudo, invejosos. É que os fogos existem: são os curto-circuitos, os foguetes da pirotecnia, os lixos das bouças, as morracas lançadas do alto ou apeadas e a ganância de certos mafiosos, etc.

– Mas, desculpa interromper-te, Belchior. Esse curso superior de Pirologia, que disciplinas ou cadeiras deveria ter? – Perguntei-lhe.

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– Já pensei nisso e estou disposto a pagar cinquenta por cento – enquanto for vivo – para sustentar essa Universidade se, o resto das despesas forem da responsabilidade do Estado e José Sócrates o Tesoureiro, uma vez que este tanto ateia pela direita como pela esquerda. Quanto às disciplinas a leccionar, teríamos a cadeira de CRIMINOLOGIA, uma vez que os criminosos portugueses são realmente incultos e desorientados. Uma cadeira de AMORALIDADE, por os incendiários de cá terem a moral deturpada, obnóxia e há necessidade de serem mais zelosos pelos interesses do Estado. Uma cadeira de PSICOLOGIA, para saber-se domar as povoações em estado de loucura, nesses momentos infernais. Uma cadeira de TOXILOGIA, para se indicar aos desesperados qual o melhor pesticida a usar, caso se quererem matar junto dos incêndios. Uma cadeira de GINÁSTICA, onde os licenciados em fogos possam estar aptos a trepar, como gatos, a terem agilidade e destreza suficiente para escorraçarem dos locais incendiados certas autoridades e repórteres televisivos, que só estorvam e provocam a loucura dos telespectadores com repetições d’imagens da desgraça. Uma cadeira de PIROBALÍSTICA, para uso de armas sofisticadas e, desse modo, garantir aos governantes, não serem lançados às chamas por algum verdugo alheio aos serviços. Finalmente, uma cadeira de SOCIOLOGIA, virada para os direitos dos incendiários, da existência dos respectivos sindicatos, horários de trabalho, folgas e reforma aos quarenta anos ou antes. Tal curso superior, Pirologia – continuou o Belchior – não só se podia programar e organizar incêndios, como se mostrava a beleza negro-cinza da paisagem, as infernais labaredas e, o Estado lucrava com este género de incendiários: evitava piquetes de vigia e equipamentos, na água não havia desperdício, por os SUBMARINOS do Paulo Portas poderem transportá-la até aos apagadores; evitava comprar aviões e helicópteros, o gasto de milhares de litros de gasolina, assim como vencimentos e horas extras chorudas aos pilotos.

Ora os Pirologistas e apagadores profissionais desses incêndios desejados – continuou o homem dos diamantes – deveriam ser funcionários públicos sob a tutela das Forças Armadas, para que estes servidores pudessem ter a honra de justificar o Pré, o Salário e o Vencimento às povoações, ao povo português.

Ouvi o meu amigo Belchior, com estupefacção! Nem chus, nem mus: nada lhe disse.

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Reclamou dos criados a necessidade de provocar mais frio dentro da sala para aumentar as labaredas das lareiras, quando na rua se respirava a quarenta graus centígrados!

Bebi o meu último gole de “Cognac Comte Joseph” e sem me despedir abandonei a mansão, plenamente convencido que mais teria valido ao Belchior nunca ter encontrado o saco com os diamantes africanos, que, então ocultou.

*(Artur Soares – Escritor d’Aldeia)

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