Editorial

BRASIL PERDE ALBERTO DINES, O OLHAR DA RESISTÊNCIA NO JORNALISMO – EL PAÍS/BRASIL
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Joaquim Letria

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Joaquim Letria

Meu Caro Diretor Manso Preto,

Por vezes digo que estão atirando no meu bando. A pouco e pouco vamos desaparecendo. O Alberto Dines era um príncipe do Jornalismo. Conheci-o no Rio de Janeiro no início da década de 60, em plena ditadura militar, reencontrei – o longamente, anos depois, em São Paulo, e convivemos em Lisboa nos finais da década de 70 quando ele aqui morou. Era um mestre, um homem de cultura invulgar, um jornalista de grande coragem e um conversador de uma fineza como já não há. Se o Manso Preto o tivesse conhecido estou certo de que ficariam amigos para sempre, como connosco sucedeu.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Agora recebi a triste notícia da sua morte. Apesar da idade aparentava estar bem. A mínima homenagem que lhe posso prestar pela amizade que nos ligava é pedir-lhe a si que, no lugar da minha crónica desta semana, publique este seu obituário e alguma das suas crónicas que vão juntas e que ele escrevia na edição do El País em Português, se assim o meu caro Diretor entender.

Estas minhas modestas palavras podem encabeçar  todo o resto daquilo que pense que o Alberto Dines mereceria ver publicado no Minho Digital, de modo a que os nossos leitores compreendam o que estamos a fazer e porquê, neste jornal cada vez mais lido fora de Portugal.

Um abraço reconhecido de sincera amizade e gratidão e o meu obrigado a todos os leitores.

JOAQUIM LETRIA

Fundador do ‘Observatório da Imprensa’, Dines foi colunista do EL PAÍS Brasil por 2 anos

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Morreu na manhã desta terça-feira, 22, o jornalista e escritor Alberto Dines. Ele tinha 86 anos e estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, devido a uma pneumonia. Dines foi o fundador do Observatório da Imprensa, veículo que desde 1994 analisava a atuação dos meios de comunicação brasileiros, e passou pelos principais jornais do país. O escritor também foi um dos primeiros colunistas da edição brasileira do jornal EL PAÍS, publicando seus textos críticos ao longo de dois anos neste jornal.

Alberto Dines nasceu no Rio de Janeiro, em 1932. Iniciou sua carreira em 1952, na extinta revista A Cena Muda, passando em seguida para a revista Visão, cobrindo cultura. Já como repórter de política, passou pela extinta revista Manchete e pelos jornais Última Hora, Tribuna da Imprensa e Jornal do Brasil, onde tornaria-se-ia editor-chefe em 1962. 

Foi sob a batuta de Dines, que o Jornal Brasil publicou duas das suas capas mais históricas. No dia 14 de dezembro de 1968, um dia após a promulgação do AI-5, o decreto mais severo de todos os Atos Institucionais da ditadura militar, a capa do jornal levava um quadro pequeno, no canto esquerdo superior com a seguinte frase: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx: 38º, em Brasília. Mín: 5º, nas Laranjeiras”. A previsão do tempo, obra de Dines como chefe do jornal, foi um ato ousado em meio à forte censura da época.

Em setembro 1973, novamente Dines dribla a censura com maestria. O regime militar brasileiro proibira que os jornais daqui publicassem qualquer manchete sobre a morte do então presidente chileno Salvador Allende, que culminou com o golpe militar no Chile. O Jornal do Brasil então foi às bancas sem manchete. A capa levava apenas um texto, sem título, tomando a primeira página toda e noticiando a morte de Allende. A desobediência de Dines entrou para a história do jornalismo brasileiro, mas lhe custou uma demissão, três meses depois, por “indisciplina”, como ele mesmo contou, anos depois.

Mais tarde, em 1975, dirigiu a Folha de S. Paulo, jornal que deixou cinco anos mais tarde, para colaborar para o icônico O Pasquim. Após uma temporada em Lisboa, onde lançou o periódico Observatório da Imprensa em 1994 para acompanhar o trabalho da mídia brasileira, Dines retorna ao Brasil e lança a versão digital do Observatório, site que ele dirigiu até o final da vida.

Como escritor, Dines lançou mais de 15 livros, dentre eles Vínculos de Fogo, ganhador do Jabuti de Estudos Literários em 1993. Sua influência e importância fez com que a notícia de sua morte levasse seu nome à primeira posição dos assuntos mais comentados no Twitter no Brasil na manhã desta terça. O presidente Michel Temer usou a rede social para lamentar o falecimento do jornalista: “O jornalismo brasileiro perde um dos pilares da ética e do profissionalismo”, descreveu Temer.

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