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A caminho do Centenário da Senhora da Paz: As Aparições do Barral (Ponte da Barca) e de Fátima

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No âmbito das comemorações do centenário das aparições de Fátima, a imagem de Nossa Senhora está a percorrer o País, tendo recentemente visitado o Alto Minho.

A este propósito, vale a pena avivar a memória e recordar que, dois dias antes da primeira aparição de Fátima (13 de Maio), aconteceram as aparições do Barral (10 e 11 de Maio), na freguesia de Vila Chã S. João, em Ponte da Barca.

Tudo remonta a 1917. A Europa continuava em guerra. Nas trincheiras lamacentas do velho continente caíam milhares de homens e, na frente de batalha, estavam Portugueses. Longe de todo este mundo de aflições, vive, em “extrema pobreza”, o pequeno Severino Alves. Tem 10 anos e reside com sua mãe, que enviuvara cinco meses antes, e com mais seis irmãos. Todo o seu tempo é ocupado com os rebanhos, nas redondezas do Barral.

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No dia 10 de maio de 1917, Severino inicia o dia com a mesma rotina de sempre – o pastor vai para os montes com as ovelhas.

Nos seus dedinhos, correm as contas do terço que reza devotamente, aplicando metade pelo pai e a outra metade a Nossa Senhora. Até que, por volta das oito horas, numa ramada, perto da ermida de Santa Marinha, é surpreendido por uma enorme luz vinda do céu… É um clarão tão forte e tão brilhante que o menino fica possuído por um medo fascinante.

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Vencida a emoção, dá alguns passos, atravessa um portelo e olha em redor. Nesse momento, avista uma Senhora! Tem as mãos postas e o indicador da mão direita destacado em determinada direcção. O seu rosto é lindo, como nenhum outro. Veste-se de branco e um manto azul cobre-lhe a cabeça. Toda Ela é cheia de luz e de esplendor! Fascinado com tamanha beleza celestial, o pastor recua uns passos, maravilhado, e cai por terra.

Readquirido o ânimo, ergue-se e exclama:

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– Jesus Cristo!

Não voltou a ver a Senhora!…

No dia seguinte, 11 de Maio, quando passa no mesmo local com o rebanho, acontece uma nova visão.

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Severino cai por terra, de joelhos. Olha, depois, o rosto sorridente da Senhora e diz-lhe o que o pároco lhe havia aconselhado:

– Quem não falou, ontem, fale hoje…

Então, a voz da aparição manifesta-se, acalmando-o:

– Não te assustes, sou Eu, menino! E prossegue: – Diz aos pastores do monte que rezem sempre o terço, que os homens e mulheres rezem o terço e cantem a “Estrela do Céu”. E as mães que têm os filhos lá fora que rezem o terço, cantem a “Estrela do Céu” e se apeguem Comigo, que hei-de acudir ao mundo e aplacar a guerra. 

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– Sim, Senhora! – responde Severino extasiado, ao que a visão, olhando para a ramada, acrescenta:

– Que gomos tão lindos! Que cachos tão bonitos!

O pastorinho olha e, quando se volta, vê que a extraordinária aparição já tinha desaparecido.

 

Rezem o terço e cantem a “Estrela do Céu”

Severino corre a espalhar a notícia. Ele quer partilhar tão grande maravilha com as “mães dos filhos da localidade que estão no exército”.

Entre outros, há um facto que a todos deixa perplexos: a referência à “Estrela do Céu”, uma oração que se cantava na freguesia, “quando havia alguma calamidade ou guerra”, mas que – segundo o pároco – caíra em desuso há mais de quatro décadas, pelo que o povo a desconhecia.

Severino não estava, portanto, a faltar à verdade. E, “a todos quantos se acercam dele e põem em dúvida o que ele viu e relata, responde invariavelmente:

– Se quiserem acreditar, que acreditem; se não quiserem, que não acreditem. Eu fiz a minha obrigação, avisando como me mandaram”.

A notícia espalha-se pelas redondezas. De tal forma que, uma semana depois, no dia 17 de Maio, festa da Ascensão, juntam-se “já numerosos devotos no local das aparições”.

No dia 1 de Junho, primeira sexta-feira, chega ao conhecimento de Sebastião de Vasconcelos, advogado do Porto, com ligações familiares a Ponte da Barca. No dia seguinte, ele faz-se ao caminho. Vai ao encontro de Severino. “E ali – lê-se num manuscrito inédito da sua autoria, divulgado pelo cón. Avelino da Costa –, no meio do povoado, entre crianças, ouvi a descrição simples e impressionante que me fez, que tem sido sempre invariavelmente repetida”.

Os elementos que recolhe nesta primeira viagem ao Barral dão corpo a dois artigos que, a 9 de Junho de 1917, publica nos jornais católicos do Porto, A Ordem e Liberdade, e que temos seguido de perto nesta apresentação. O título é sugestivo: “Nossa Senhora do Barral?”.

 

Peregrinos aos milhares

Os textos despertam enorme interesse, esgotando-se ambos os jornais, facto que levou A Ordem a fazer uma separata do seu artigo para atender os inúmeros pedidos. No mesmo dia da publicação dos textos, o “Senhor Bispo do Porto aprovava a ‘Estrela do Céu’, concedendo 100 dias de indulgência a quem a rezasse”. Desde aí, espalharam-se aos milhares as pagelas com a “Estrela do Céu” e os jornais publicaram-na, repetidamente.

Muitos jornais divulgam, entretanto, os artigos e publicam outras notícias, ao longo dos meses de Verão, de tal modo que as aparições do Barral já eram praticamente conhecidas em todo o País, quando veio a público a primeira notícia das aparições de Fátima, n’O Século, a 24 de Julho de 1917.

Face à repercussão dos acontecimentos, o “Sr. Arcebispo de Braga nomeou ‘uma comissão de graves e conceituados teólogos’, que foi ao local, logo a 20 de Julho de 1917, para colher elementos para o processo canónico, segundo informaram os Echos do Minho (órgão oficioso da diocese de Braga) de 22 deste mês”.

Os peregrinos acorrem aos milhares, vindas das mais diversas terras. O jornal A Ordem, que apenas se refere ao caso de Fátima a 27 de Outubro, divulga os acontecimentos do Barral com entusiasmo, em números seguidos. Pouco mais de um mês volvido, escreve na edição de 16 de Junho: “tem sido uma verdadeira peregrinação para o lugar do Barral, em Ponte da Barca, tantas são as pessoas que ali vão interrogar o pastorinho Severino Alves acerca da Aparição de Maria Santíssima e ver o local”.

Esta afluência mantém-se durante vários anos, passando a diminuir depois de 1926. Nem seria de esperar outra coisa, pois, no local, nem sequer fora construída uma imagem, muito menos uma capela. A atenção e a devoção vão-se, progressivamente, concentrando em Fátima, onde Nossa Senhora se manifestara, dois dias mais tarde, a 13 de Maio do mesmo ano… E, assim, as aparições da Senhora da Paz – nome por que ficaram conhecidas – quase caem no esquecimento.

Quase! Porque, 50 anos depois, Fátima cruzar-se-ia, de novo, com o Barral.

 

Centro Mariano conhece uma nova alma

Foram os historiadores de Fátima que contribuíram para reavivar o interesse pela Senhora da Paz. Consultando a imprensa de 1917 para saberem o que se escrevera sobre a Cova da Iria e, assim, prepararem o 50.º aniversário destas aparições, acabaram por encontrar numerosos artigos sobre o Barral, situação que alterou o rumo dos acontecimentos.

Em Agosto de 1967, Fátima acolhe o XII Congresso Mariano Internacional para assinalar o cinquentenário das aparições. O cón. professor doutor Avelino da Costa, historiador e catedrático da Universidade de Coimbra, é convidado para colaborar e apresenta uma comunicação que desperta grande interesse: “As aparições de Nossa Senhora do Barral, a 10 e 11 de Maio de 1917”

A devoção à Senhora da Paz está a ganhar nova alma. Com autorização do arcebispo primaz, o cón. Avelino da Costa – também nascido no Barral e contemporâneo do vidente pastorinho – escreve uma série de artigos no Diário do Minho, que, em parte, são reproduzidos noutros periódicos. E, em sintonia com o pároco e os seus conterrâneos, logo pede autorização para mandar fazer uma imagem e para erigir uma capela no local.

A 24 de Junho de 1967, a imagem da Senhora da Paz é benzida e colocada num nicho, à veneração dos fiéis. E a Confraria de Santa Ana decide promover a construção da capela, cuja licença é assinada, em Maio de 1968, por D. António Ribeiro, na altura bispo auxiliar de Braga e futuro cardeal patriarca.

 

Muito trabalho e várias inaugurações

Orçado em cerca de 400 contos, o templo é decorado com quartzo cristalizado e a inauguração acontece a 15 de Setembro de 1969, com a bênção do vigário-geral da arquidiocese, o então cónego e futuro bispo auxiliar de Braga, D. Carlos Pinheiro.

“A solene bênção e inauguração da capela-monumento atingiram um brilhantismo que ultrapassou o que era de esperar por ter sido em dia de semana, o tempo estar muito chuvoso e ter havido em alguns meios obstrucionismo à capela e à sua inauguração”, escreve, na altura, Avelino da Costa.

O dia festivo, que mereceu uma reportagem da RTP, fica, entre outros aspetos, marcado também pela estreia do “Hino de Nossa Senhora da Paz”, letra de Castro Gil e música de Manuel Borda.

Pouco tempo volvido, já a capela era considerada pequena para a afluência de devotos. Para remediar o mal, projecta-se a construção de uma cave no adro e de uma pequena casa de recordações, junto da oliveira que se mantinha desde 1917.

A 2 de Maio de 1971, é benzida a cripta e o altar de quartzo, um enorme bloco cristalizado, o maior existente em Portugal, com cerca de três toneladas. Neste ano, a festa da Senhora da Paz regista a presença de altas individualidades, tais como o governador civil do distrito e o presidente da Câmara Municipal de Ponte da Barca, sendo a procissão presidida pelo vigário-geral.

Em 1972, a festa celebra-se a 20 de agosto, com a bênção e inauguração dos painéis de azulejo que revestem as paredes da cripta e representam a Última Ceia, as aparições do Sagrado Coração de Jesus em Paray-le-Monial, as aparições de Nossa Senhora em La Salette, Lourdes, Pontmain, Fátima e Banneux, os Santuários Marianos da Peneda, Sameiro e Vila Viçosa, e também de dois painéis, cada um com seu anjo em saudação à Virgem Maria, tendo o da direita a legenda Ave, Maria, cheia de graça” e o da esquerda Por Maria a Jesus.

A 15 de Setembro de 1974, por ocasião do 5.º aniversário da bênção da capela, é inaugurada uma imagem do Sagrado Coração de Jesus (4,20 m de altura), de braços abertos.

 

Apesar da forte e persistente oposição…

O Santuário da Senhora da Paz não pára de crescer, de se afirmar como um centro de vida espiritual e de devoção mariana. Apesar da “forte e persistente oposição de pessoas, que antes nos deviam ajudar. A pretexto de que as aparições não foram ainda aprovadas pela autoridade eclesiástica (mas também não foram rejeitadas por ela), faz-se campanha e obstrucionismo contra o templo e devoção a Nossa Senhora da Paz” – lamenta-se Avelino da Costa, em Outubro de 1976.

Independentemente dos contratempos, no ano seguinte, a 29 de Maio, acontece mais um momento-alto: é inaugurado o monumento ao Coração Imaculado de Maria, cerimónia que é testemunhada por um elevado número de devotos. São também erigidos monumentos ao Anjo da Guarda de Portugal e à Paz, este último constituído por um pedestal de quartzo cristalizado, em cima do qual esvoaça uma pomba em bronze.

O local passou a ser um ponto de passagem de devotos e de turistas, atraídos, em geral, pela beleza da paisagem e da colecção de cristais de quartzo patente na Biblioteca-Museu.

Em sintonia com o povo e o pároco, o saudoso cón. Avelino da Costa foi, ao longo deste período, a alma de todo este projecto que integra ainda o novo Santuário da Senhora da Paz, edifício mais recente, em sistema basilical de três naves.

No seu conjunto, trata-se de um património único, mas ainda pouco valorizado, seja ao nível do turismo de natureza, seja em termos de turismo religioso e até no âmbito pastoral.  

Ninguém está, evidentemente, obrigado a dar crédito às aparições do Barral, mas uma simples análise comparativa com a primeira de Fátima (13 de Maio) não deixa de ser desconcertante. 

 

Mensagem do Barral e de Fátima

Separados apenas por dois dias, é notável como os dois acontecimentos se aproximam, tanto nos fenómenos que precederam ou acompanharam as visões, como nas mensagens transmitidas.

Em ambas as situações, surgem-nos pastorinhos que rezam o terço no momento em que a manifestação acontece, anunciando-se por uma luz muito intensa e inesperada.

A apresentação da Senhora é também idêntica nos dois lados, isto é, de pé sobre uma nuvem ou uma azinheira, de mãos postas, com um vestido e um manto a cobrirem-na da cabeça aos pés. Tanto no Barral como em Fátima, é descrita com um rosto de uma beleza singular, uma voz de encanto e praticamente as mesmas palavras para acalmar os pequenos videntes.

E, surpresa das surpresas, a verdade é que, à distância de centenas de quilómetros, a mensagem transmitida às crianças analfabetas é praticamente a mesma: o pedido da reza do terço todos os dias e a promessa da salvação do mundo e do fim da guerra, a Primeira Grande Guerra.

Escreve o cón. Avelino da Costa que “estas semelhanças são tão profundas que não se podem atribuir a mero acaso. Também as não explicam a imitação ou telepatia, porque nem uma nem outra se poderiam ter dado. (…) Era humanamente impossível que, num curto intervalo de 48 horas, pudessem comunicar entre si crianças analfabetas, totalmente desconhecidas e, para mais, vivendo em terras montanhosas, separadas por 304 quilómetros e, na altura, sem estradas, sem telefone nem telégrafo”.

Estas flagrantes semelhanças entre as aparições do Barral e a primeira de Fátima não podem, por isso, deixar de interpelar qualquer pessoa e de remeter os crentes para os insondáveis desígnios de Deus que se manifesta da forma que bem entende e quando Lhe parece oportuno.

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