Casos ao Acaso: O “aconchego” de um tecto…

Edite Caetano Coelho

Docente

“O Ninho” é uma instituição particular de solidariedade social, fundada em 1967, ligada a uma organização europeia. É dirigida pela doutora Inês Fontinha que tem, há décadas, trabalhado para inserir, socialmente, mulheres que querem deixar esta actividade.

 Há mulheres assim! A segurança com que fala demonstra o seu empenho. Questões do tipo: “Acha que a prostituição é um trabalho, uma profissão?”, “Acha que alguém pensa que a prostituição é um projecto de vida?”, “Acha que alguém quer para uma filha um projecto de vida como prostituta?”

A estas e a outras questões, concordamos com ela: todos nós respondemos que não. A maior parte de nós também não é a favor da prostituição, mas também, todos nós sabemos que ela existe. Basta andarmos na rua: há as que passam por nós, que são inconfundíveis e há as que passam por nós e que não as reconhecemos como tal. Geralmente, as que são inconfundíveis são as de condição mais humilde, pois essas estão à espera de cliente na via pública, praticam o “acto” perto da via pública, mas suficientemente longe para não serem detectadas nem no “acto”, nem na falta de higiene, antes e após o mesmo, nem com os maus tratos de quando e de como são vitimizadas com os vários tipos de sevícias…

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Há muitos anos, num programa de TV, uma delas queixava-se ao jornalista de que um cliente quis consomar o “acto” no carro dele, um Mini (no tempo em que os Minis eram minis em tamanho). Já no interior da viatura, apontou-lhe uma pistola e obrigou-a a ter “relações” com a alavanca das mudanças de velocidade.

A ideia que muitos de nós temos, é a de que se houvesse “casas-de-passe” (como as que existiam no tempo do doutor Salazar) estas mulheres estariam mais protegidas dos vendavais de Inverno, mais protegidas da violência física – pois mais facilmente poderiam fazer queixa do agressor – e mais protegidas das doenças venéreas, devido ao facto de terem que fazer análises periódicas passadas por um médico que as visitaria semanalmente. Vistas as coisas por este prisma e sabendo que a prostituição não se extinguiu com a eliminação daquelas casas, onde as prostitutas recebiam os clientes, torna-se difícil não se imaginar estas casas como uma certa  forma de protecção, que as protege do frio, da chuva, do calor, do chão sujo, das doenças e, até dos maus tratos…mas…será? Dos maus tratos não se sabe, pois o que manda em todo o lado é o dinheiro, mas… teriam tratamento com mais facilidade, sempre que fossem vítimas de sevícias? Ou não? Por outro lado, será que deixaria de haver prostitutas de rua, cujo preço é mais económico, ou a implementação das “casas-de-passe” obrigaria as da rua a descer ainda mais o preço por cada “acto”, o que aumentaria a procura nestas condições?

 

A doutora Inês Fontinha diz que todas as prostitutas que conheceu foram parar a esta actividade por falta de meios económicos e que nenhuma gostava de lá estar. Eu acredito nela. Há que não esquecer, no entanto, as mulheres que tendo uma situação económica muito confortável, são viciadas em sexo (como já apareceram algumas, em programas de TV), que se aproveitam do seu vício para ganhar dinheiro, que convivem bem com essa condição e, outras ainda, que vivem muito bem economicamente, que têm uma vida familiar aparentemente normal, mas mantêm os maridos e familiares na ignorância relativamente a este seu tipo de actividade. Nestes dois casos vamos salvá-las de quê? Se é esta a sua vontade, por que é que há que as retirar desta profissão, se elas gostam de lá estar e como é que se vai integrá-las socialmente se elas estão integradas socialmente, desde sempre, e ninguém suspeita de nada?

Como em tudo, há as prostitutas de diferentes níveis: há as pobrezinhas, as que não querem lá estar nem exercer, e as prostitutas ricas, as que o fazem por prazer, ou vício, e que aproveitam para ter muito mais dinheiro, sem ninguém saber, não sendo o dinheiro o seu principal interesse, mas uma consequência agradável, resultante daquele vício.

Entende-se, perfeitamente, a doutora Inês Fontinha, cujas intenções são de louvar e de apoiar para ajudar as prostitutas de rua, as mais pobres da sociedade, mas entendo que não vale a pana gastar energias e meios com as desconhecidas prostitutas que mantêm a sua actividade pelo vício do sexo e que se sentem bem assim.

Quer seja uma prostituta pobre, quer seja uma prostituta rica, todos nós estamos de acordo numa coisa: ninguém quer um projecto de vida destes para uma filha nem para nenhuma rapariga da família.

 

Quanto à prostituição masculina, segundo os programas televisivos, também há os pobres (na maioria homossexuais) e os ricos: os pobres são os de rua e os ricos têm o nome pomposo de “gigolôs”, os que frequentam os belos apartamentos das clientes ricas, muito bem pagos pelo “acto”. À semelhança da atitude de muito homem rico, que paga a prostitutas de luxo, também há muita mulher rica que não tem problemas em pagar o prazer pelo “acto”, a homens de carnes rijas e com excelente apresentação.

PUB

Há alguma organização semelhante para retirar os homens da prostituição? Há homens jovens que se prostituem e o mundo da prostituição masculina aparece como um mundo desconhecido, porque só há poucas décadas se começou a falar de prostituição masculina. Foi, no entanto, chocante verificar pelas reportagens da T.V., que havia homens em Portugal, que tinham aderido à prostituição, após a sua saída da Casa Pia, onde tinham sido criados e violados em criança, por não terem tido na juventude alguém que tivesse podido tomar a responsabilidade de os criar. Após esta tomada de conhecimento, devido ao escândalo da Casa Pia, o Estado, ou outra entidade, deu seguimento a alguma medida de protecção relativamente a estas pessoas, com as quais o Estado falhou totalmente, de modo a revocacioná-las para outro estilo de vida?

Será que deveria haver “casas de passe” para ambos os sexos? E, havendo, como se poria o problema do pagamento? Seria com o ordenado mínimo a cada “profissional”, independentemente do número de clientes a atender, ou seria com pagamento “por unidade”, ou seja, por cliente? E, como em todas as empresas, teria que haver uma avaliação de qualidade do pessoal…

Há anos, uma mãe dizia-me a chorar: “…o meu filho, na condição em que está, nem homem pode ser! Qual a rapariga que quer namorar com um rapaz que está numa cadeira de rodas? Qual? O meu filho mais novo já tem namorada, mas este, apesar de ser mentalmente são, como o irmão, como não se pode mexer, nem se consegue masturbar…”. E é com situações como esta que vem à baila a sexualidade das pessoas com extrema dificuldade de mobilidade. Estas pessoas, que dependem dos outros para tudo, têm cuidadores para os lavar, para os pentear, para os vestir, para os calçar, para os ajudar a ir à casa de banho, para os levar para as instituições…só não têm ninguém para satisfazer as suas necessidades sexuais…

 

A sexualidade das pessoas com dificuldades motoras ou com dificuldades intelectuais existe, tal como existe nas outras pessoas, só que nestas pessoas, começa a ser anulada desde cedo pelos progenitores: no caso das raparigas, devido ao receio de elas “se deixarem levar” por qualquer um e, nos rapazes, devido à certeza de que como eles nunca irão ter uma mulher, o melhor é nem pensar nisso. Os progenitores destas pessoas actuam sempre no sentido de tentarem fazer o melhor que podem e sabem, pois ninguém está preparado para ter um filho com dificuldades motoras ou com dificuldades intelectuais, ou até com ambas… Estes progenitores, imbuídos do seu imenso amor pelos seus filhos, vêem-se em situações para as quais não foram preparados, pois o Estado não vocaciona estes Pais para o que vai ser a sua vida quando, após o nascimento, eles verificam que o seu filho nunca vai ser como os filhos dos outros…e segundo o testemunho que ouvi de muitos, a versão era sempre a mesma: “…perguntei ao médico como é que lhe ia dar de comer, o que faria se ele se engasgasse, como lhe ia mudar a fralda, …” como isto, como aquilo…Mas nunca ouvi nenhuma mãe dizer que tinha perguntado ao médico sobre o que havia a fazer quando ele chegasse à adolescência e quisesse ter uma vida sexual, ou o que fazer, se ele se quisesse masturbar e não pudesse, devido à sua imobilidade… 

Na verdade, quase todos os progenitores têm uma certa relutância em falar de sexo, no que diz respeito aos seus filhos e, até, com os seus filhos. E quando se trata de filhos com dificuldades motoras ou intelectuais, o assunto fica no segredo dos Deuses.

Mas essa sexualidade existe! E relativamente às pessoas do sexo masculino, há a considerar vários factores, como por exemplo: a necessidade fisiológica e o lugar. Se os homens que não têm problemas a nenhum nível (e muitos têm namoradas e outros, até, mulheres em casa) recorrem ao serviço resultante da actividade da prostituição, por que razão não hão-de as pessoas com aquelas dificuldades, recorrer a este mesmo serviço, tendo as últimas, a agravante de não terem companheiros para partilhar a vida para além dos Pais? Outro dos factores é o local: qual o pai ou a mãe que, mesmo querendo proporcionar ao filho alguns momentos de sexualidade paga, o vai levar ao mato, na cadeira de rodas, para ter relações sexuais com uma prostituta? E… será que a prostituta vai querer?

Havendo “casas de passe” o problema do local estaria resolvido. Faltaria, “apenas” alertar os progenitores e as prostitutas para este problema. Claro que não seria uma tarefa fácil, a nível de mentalidades, mas o contacto por telefone entre Pais, prostitutas e local para concretizar o “acto”, em relação ao problema do seu filho, seria muito mais fácil.

 

Há ainda o problema das raparigas e das mulheres, que sem dificuldades motoras mas com dificuldades intelectuais, sofrem do mesmo problema dos homens, ou seja, não têm companheiros de vida porque nenhum homem as quer para uma relação estável. Daí, a grande vigilância sobre estas pessoas, as do sexo feminino, pois quando há um “descuido” da parte dos Pais, há algumas que aparecem grávidas. Geralmente, como da primeira vez elas gostaram do contacto sexual, nunca dizem quem é o progenitor da criança, de modo a poderem continuar a manter estes encontros. Dado que estas mulheres são psicológica ou mentalmente instáveis, considera-se que quem manteve contactos sexuais com elas são violadores, mesmo que o “acto” tenha sido consentido por elas.

Os filhos destas mulheres são, geralmente, acolhidos pelos avós maternos, que para além de terem de cuidar da filha para o resto da vida (e nem direito terem a morrer descansados, por desconhecerem o futuro dessa filha, após a sua morte) vão ter, ainda, a seu cargo, um neto que não estava programado.

Por que razão não se vocaciona os Pais destas pessoas para encararem o problema da sexualidade dos seus filhos? Por que razão, pessoas com algumas dificuldades intelectuais são, à partida, forçosamente, excluídas de uma vida a dois?

Ninguém acredita que a prostituição vai acabar, mas as circunstâncias em que essa actividade é exercida deve ser discutida e avaliada de modo a que os prejuízos para ambas as partes, prostituta e cliente, sejam minorados. A prostituição exercida na rua, sem o “aconchego” de um tecto, é uma consequência não só da miséria material como da miséria mental, e as duas misérias juntas conduzem a um conjunto de factores que em nada beneficiam a sociedade.

Todos os dias se fala dos golos dos jogadores tal e tal, das namoradas dos jogadores tal e tal, dos carros dos jogadores tal e tal, dos autocarros dos clubes tal e tal, assuntos que em nada melhoram o nível de vida da sociedade, mas de um problema como o da prostituição, que é um assunto de Saúde Pública, pouco se diz e nada se faz…infelizmente!

 

NOTA: “Usufruindo do direito de liberdade de expressão, a autora não obedece às regras do Acordo Ortográfico”.

 

 

 

 

 

  Partilhar este artigo