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Cenário Dantesco: concelho de Arcos de Valdevez arde há vários dias

Fogo cerca uma habitação

Autêntico desastre ambiental. O concelho de Arcos de Valdevez tem estado cercado por grande número de incêndios desde o passado domingo, 7 de agosto, transformando o território num “inferno” de proporções dantescas. Volvidos seis anos, Soajo voltou a viver, de perto, o horror das chamas, mas a aflição, entre outras localidades, também chegou a Gondoriz, Couto, Cabana Maior, Gavieira, Vale, Eiras e Mei. O rasto de destruição tingiu de preto boa parte das riquezas naturais de Arcos de Valdevez.

Algumas fotos cedidas gentilmente por Joaquim de Jesus Neto (Serra Brava de Soajo)

Num balanço intercalar, de todas as ocorrências registadas, o incêndio mais devastador é o que está a lavrar no “coração” do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Eclodiu nas imediações do Parque de Campismo da Travanca, às 2.11, do dia 8 de agosto, e alastrou, com a ajuda do vento, para Vilar de Suente (Soajo), onde o fogo chamuscou casas e consumiu quintais, currais, ramadas e campos de cultivo. A população deste lugar que não conseguiu sair a tempo foi “abrigada” na capela, sendo depois conduzida para o Centro Social e Paroquial de Soajo, antes do regresso a casa. Também o Hotel do Mezio teve de ser evacuado.

Mas a preocupante temporada de incêndios começou logo em meados de julho, com inúmeras deflagrações diárias, e agravou-se no dia 4 de agosto, com o fogo a lavrar na Gavieira, durante cerca de quatro dias, na frondosa escarpa (cerca de 900 metros) da Cumeada, e também na zona do Beleiral, não muito longe de um aglomerado residencial.

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Segundo Carlos Guerra, comandante adjunto de Operações, este “incêndio [da Gavieira] foi – sempre – só combatido por material sapador (equipas helitransportadas)”, com a ajuda de vários meios aéreos, dada a impossibilidade de, por terra, os veículos se deslocarem, devido à orografia da encosta.

Mas o pior estava, de facto, para vir. Nos dias 7 e 8 de agosto, o pânico instalou-se em várias localidades de Arcos de Valdevez, com número anormal de ignições a ocorrer praticamente à mesma hora, situação que teve paralelo noutros concelhos do distrito (e também noutras regiões), com repercussão nos minguados recursos disponíveis (meios terrestres e aéreos), a que se juntou o esgotar da capacidade de rendição dos operacionais, como, em comunicado enviado às redações, era reconhecido pelo Comando Distrital de Operações de Socorro de Viana do Castelo, que acionou o Plano Distrital de Emergência de Proteção Civil de Viana do Castelo.

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De resto, em virtude de serem vários os fogos a lavrar em simultâneo no concelho de Arcos de Valdevez e de os meios disponíveis serem manifestamente insuficientes, situação agravada com a perspetiva de as temperaturas continuarem muito elevadas, os responsáveis decidiram decretar, no dia 8 de agosto, o plano municipal de emergência, algo que não acontecia desde 2010, como forma também de solicitarem ajuda à sociedade civil.

Mas as declarações que o edil João Manuel Esteves proferiu em reunião de Câmara, por volta das 16.00, do mesmo 8 de agosto, nada prenunciavam o estado de emergência que iria ser declarado pouco tempo depois. “As coisas complicaram-se bastante no domingo [7 de agosto], mas hoje [segunda-feira] não estão tão complicadas, embora tenha aumentado o número de ocorrências”, informou a presidente da Câmara, justamente à hora em que o incêndio a lavrar no Parque Nacional, ou nas imediações deste, galopava em direção à povoação de Vilar de Suente.

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Populações cercadas pelo fogo

“Em Vilar de Suente, foi o fim do mundo [na segunda-feira de tarde e noite]”, disse ao Minho Digital António Santos, mal refeito do susto. “Em poucos minutos, atravessou esta mancha e cercou o lugar de Vilar de Suente, valendo-nos a ação dos bombeiros colocados em posições estratégicas”, conta Santos, enquanto fazia, por volta das 8.30 de terça-feira, uma ronda pelo lugar.

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Para acudir a tantas frentes, alguns soajeiros, como forma de prevenção, acomodaram cubas e depósitos de água em carrinhas e tratores, posicionando-se nas cercanias de casas e de unidades produtivas. Os poucos meios existentes – bombeiros, equipas de sapadores florestais e viaturas – estavam quase todos concentrados nas habitações e nos anexos agropecuários. Por volta das 18.00, do dia 8, segundo a página oficial da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), estavam mobilizados 64 bombeiros, apoiados por 22 meios terrestres, dispositivo que seria reforçado nos dias seguintes.

Os moradores de Vilar de Suente viveram momentos de aflição, com as chamas a rondarem casas, anexos agrícolas e campos de cultivo. A grande preocupação foi, desde logo, impedir o avanço do fogo sobre as populações, preservando, assim, a segurança de pessoas e de bens.

Receando pelas suas habitações, alguns moradores de Vilar de Suente resistiram aos primeiros apelos de retirada para local seguro, mas acabaram por ceder à tentação de arriscar a vida, pois de pouco valeria o voluntarismo.

“Foi pior do que há seis anos, de repente ficámos cercados pelo incêndio”, reforça António Santos, que, no entanto, com a ajuda dos bombeiros, conseguiu salvar a casa e os seus pertences. Menos sorte tiveram alguns vizinhos, que, além de quintais, ramadas e anexos destruídos, tiveram, ainda, as chamas à porta de casa.

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Em Vilar de Suente, escassas horas depois da angústia, faziam-se contas aos prejuízos, lamentando-se a ausência de meios aéreos durante a tarde de segunda-feira e a origem premeditada deste incêndio. “Começou de madrugada e, como sempre, ninguém há de ser responsabilizado”, atirou um popular do recôndito lugar, que se sentiu “um pouco indefeso contra a fúria do fogo.”

Como já aconteceu em situações similares, para prevenir situações adversas a quem circulava, a estrada de acesso a Soajo, com labaredas dos dois lados, foi cortada à circulação rodoviária por bastante tempo. E não tardou muito para que o nervosismo fosse, também, vivido às portas de vila de Soajo, com o incêndio a avançar sem pedir licença. Os exploradores pecuários (e não só), com a ajuda de conterrâneos, só tiveram tempo de recolher os animais, abrigando-os, depois, em local seguro. Mas, em pouco tempo, o devastador fogo “engoliu” povoamentos florestais e densas áreas de mato, atingindo, num ápice, alguns barracões e casas de férias.

Nos casos mais complicados, a técnica do contrafogo, para deter uma frente e proteger casas, surtiu efeito, afastando as chamas da zona, mas as enormes labaredas da encosta rapidamente colocaram em sobressalto dezenas de populares concentradas em Reigada, justamente na estrada que dá acesso à vila de Soajo.

Sem grande ajuda dos operacionais, mobilizados para outras localidades, os proprietários com as chamas à porta tentaram a todo o custo, com o auxílio de água pressurizada por mangueira, motosserras e enxadas, salvar casas do campo ou de férias, assim como propriedades agrícolas.

Em Reigada, criticou-se a falta de meios e de limpeza das áreas de mato nas faixas regulamentadas. Uma revoltada soajeira apontou como causa da propagação do incêndio a inércia das entidades em relação à prevenção, notando que caiu em “saco roto” o pedido reiterado para se proceder à limpeza do mato e da abundante vegetação rasteira.

Entretanto, o vento foi “empurrando” o incêndio para a zona das Ínsuas, e daqui para o Areeiro, colocando em risco alguns estábulos, cujos animais estavam, no entanto, a salvo. Com o fogo a lavrar por perto dos barracões, algumas brigadas foram-se posicionando em locais nucleares para proteção dos bens. E a população de Soajo, mesmo de noite, também socorreu o vizinho, o amigo, o familiar… Tudo bem coordenado pelos voluntariosos jovens (e não só) da Terra.

Depois da imensa coluna de fumo que sobrevoou a serra de Soajo, sobretudo nos dias 10 e 11 de agosto, ainda se vislumbram vários reacendimentos, que não estão a dar descanso ao dispositivo operacional, preocupado com o vento, instável, e o imenso material combustível existente, espécie de rastilho a atiçar fogachos.

Mas o flagelo dos fogos também ameaçou outros aglomeradores residenciais do concelho arcuense. Na freguesia do Couto, a situação operacional de domingo, 7 de agosto, só foi resolvida graças à mobilização de meios aéreos que conseguiram deter o incêndio, que chegou a rondar casas e quintais, tendo circundado, inclusive, o empreendimento da habitação social, valendo, também neste caso, o uso bem-conseguido do contrafogo.

 

Povo “bombeiro”

O incêndio florestal que deflagrou e progrediu, segunda-feira de madrugada, no lugar de Portela, Cabana Maior, foi dominado pela população, que também disponibilizou meios, nomeadamente um trator munido de depósito de água.

Mas outros núcleos rurais de Cabana Maior também tiveram as chamas perto das suas propriedades, principalmente nos dias 9 e 10 de agosto, tendo surtido efeito a ação inexcedível dos operacionais mobilizados para o local, os quais, com a ajuda de muitos populares, conseguiram travar a fúria das chamas.

 

Situação operacional

O incêndio que lavra no Parque Nacional desde segunda-feira continua ativo e as chamas ameaçaram, em momentos diferentes, nos últimos dias, várias áreas residenciais de Soajo, assim como anexos agropecuários na serra. Por sorte, as zonas de Reigada, Costa Velha, Coto Velho, Malvar e Murço ficaram a salvo, mas o nível de alerta foi aumentando à medida que o fogo se foi aproximando da vila de Soajo, enquanto a pressão sobre os estábulos esteve difícil de controlar.

Noutro local, por forma a evitar a propagação do incêndio ao lugar vizinho de Vilarinho das Quartas (Soajo), foram colocadas brigadas de sapadores nas imediações da corga, que faz a divisão territorial.

Entretanto, por volta das 17.00, tarde desta quinta-feira, várias fumarolas podiam ser avistadas na serra de Soajo e, fora do Parque Nacional, uma das várias frentes do fogo progredia, pelos montados, abeirando-se perigosamente de Ermelo.

De acordo com a página da ANPC, o incêndio na Reserva Mundial da Biosfera, às 17.00 desta quinta-feira, encontrava-se ainda “em curso”, mobilizando 157 operacionais, apoiados por 59 viaturas e dois meios aéreos.

 

Balanço provisório

Não sendo ainda hora para um balanço definitivo (há constantes reativações e novas frentes ativas), certo é que, pelo concelho de Arcos de Valdevez, as chamas consumiram áreas muito substanciais povoamento florestal, pasto e mato, espalhando o terror à população, que, nalguns casos, se queixou da falta de bombeiros e de meios aéreos. Além disso, o intenso calor e, em diversos “teatros de operações”, o forte declive do terreno dificultaram, e muito, o combate aos incêndios, que formaram gigantescos anéis de fogo.

Sobre o incêndio que devorou elevados valores naturais e patrimoniais no Parque Nacional, não é arriscado dizer que arderam largas centenas de hectares de mancha verde. É este o resultado provisório do trágico incêndio que, ainda, está a lavrar no “coração” ou nas imediações do único Parque Nacional. O rasto de destruição estende-se por vários quilómetros. De comum a muitos dos residentes, foi a perda de pastos para os animais, indo aumentar, consideravelmente, os custos relativos à aquisição de forragens.

À vista desarmada, sobra a conclusão de que pouca área escapa, já, à fúria das chamas. Infelizmente, não é só a paisagem do Parque (e não só) que fica, irremediavelmente, “ferida” com o incêndio, mas também a economia da região, que estava a apostar, cada vez mais, no turismo de natureza, sem esquecer o muito provável desequilíbrio dos habitats.

O verde transformou-se num enorme manto preto e a paisagem idílica virou um “quadro” dantesco, que vai condicionar a vida dos criadores de gado e afetar, ao que tudo indica, o turismo ligado à natureza.

Terra abandonada é terra queimada

Das muitas razões que vêm sendo suscitadas, pela opinião pública (e publicada), para explicar o flagelo dos incêndios a nível nacional, uma delas a flagrante falta de coordenação ou impreparação da Proteção Civil, há uma outra que sobressai: não existe a cultura de, durante o inverno, prevenir os fogos através da gestão do material combustível.

De igual modo, sem ordenar a floresta, dotar a serra de aceiros e reforçar os pontos de água, prova-se, uma vez mais, que terra abandonada é terra queimada.

 

O desabafo do comandante da Corporação de Arcos de Valdevez

“[…] O concelho de Arcos de Valdevez arde de dia e de noite desde meados de julho, não dando um minuto de descanso aos bombeiros de Arcos de Valdevez e a todos aqueles que, de vários pontos do país, têm vindo auxiliar-nos nestas difíceis operações.”

“Tudo isto tem mão criminosa, não duvidem disso! Com interesses associados ou não, com muito mau íntimo ou por pura diversão, vamos tendo cenários aflitivos que, de uma forma incompreensível, vão divertindo e alimentando o ego a estes pirómanos.”

“Haja coragem e acabe-se, imediatamente, com os subsídios para as explorações de animais, entre outras… Faça-se cumprir a lei da obrigatoriedade de se limpar 50 m à volta das habitações… E responsabilize-se quem tem comportamentos negligentes que contribuem para estas situações.”

“É triste, desmoralizante e vergonhoso ver os bombeiros e os restantes combatentes serem enxovalhados e mal tratados por quem nem sequer das suas coisas trata, preferindo ficar como espetador tecendo críticas e insultos àqueles que, a troco de nada, abandonam a sua vida privada, o seu trabalho e a sua família, para socorrerem e defenderem o que lhes é alheio, esquecendo que estes homens e estas mulheres vão aonde todos fogem mesmo sabendo que podem não voltar”. (Filipe Guimarães, comandante dos Bombeiros Voluntários de Arcos de Valdevez)

 

A frase

“Mais de 90% dos fogos, ou por dolo ou por descuido, são de origem humana.” (José Manuel Moura, comandante Nacional de Operações)

 

Notícia relacionada e editada na semana passada:

http://www.minhodigital.com/news/ha-mao-criminosa-na-origem

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