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Cividade de Bagunte

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As ditas “Cividades” ou “Castros”, são vestígios históricos que permanecem até aos dias de hoje, como uma espécie de “aldeias” utilizadas pelos antepassados que ali habitavam. Existem por todo o país, mas é no norte de Portugal onde mais se concentram. A Cividade de Bagunte é um desses casos, mas com a particularidade de neste momento estarem a ocorrer trabalhos arqueológicos, no sentido de valorizar o património ali presente. O Minho Digital esteve no local, onde através de uma visita guiada, confirmou todo o esforço e dedicação que existe neste projeto para que, brevemente, se possa conhecer melhor um pouco da história do nosso passado, que de certa forma,serve também como uma aprendizagem para o futuro.

A Cividade de Bagunte, localizada na freguesia do mesmo nome, pertencente ao concelho de Vila do Conde, situa-se no ponto mais elevado da zona, com uma altitude de aproximadamente duzentos metros. Desde 1910 que possui o estatuto de Monumento Nacional, e embora existam outros castros espalhados pela região, este é sem dúvida, aquele com maiores dimensões.

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Os castros ou cividades são locais onde se encontram construções e vestígios da pré-história, relativos à idade dos metais. No caso de Bagunte, a cividade iniciou-se mais precisamente na idade do ferro, prevalecendo ainda com atividade até ao século IV.

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Os povos que aí habitavam eram designados por Galaicos, de origem indo-europeia, e chegaram a ocupar uma grande área entre a região do Douro-Minho. Procuravam os pontos mais altos das terras para se estabelecer, garantindo um melhor controlo de tudo em seu redor. Era também fundamental existirem linhas de água por perto, por uma questão de sobrevivência. No caso de Bagunte, seriam os rios Este e Ave.

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Além da localização estratégica, os castros eram normalmente rodeados por várias muralhas feitas em pedra granítica, ou até mesmo em terra, como se pode observar nesta mesma cividade. As casas possuíam uma estrutura arredondada, com as paredes feitas em pedra e os telhados seriam provavelmente feitos em colmo, com uma forma cónica.

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Em Bagunte é possível também observar já algumas habitações com forma retangular ou quadrangular, o que para muitos arqueólogos representa a influência romana, uma vez que este local foi definitivamente conquistado pelas tropas de César Augusto no ano 19 a.C.. No local encontram-se várias unidades habitacionais, e acredita-se que ali viveram entre duas a quatro mil pessoas, numa área delimitada por 325 metros de comprimentos e 125 metros de largura.

Também a presença de caminhos ou estradas era sinal de uma estrutura social já mais avançada, que para além das diversas unidades habitacionais, existiriam possivelmente pequenos comércios de cerâmicas, armas, jóias, animais, grãos para farinha, entre outros. 

Existem ainda outras estruturas que recalcam ainda mais a organização do povoado, como por exemplo, a existência de uma rocha granítica trabalhada onde se colocaria um facho luminoso. E ainda, o cuidado de entre as unidades habitacionais, existir um sistema de escoamento das águas da chuva para o exterior do complexo.

No local, o Minho Digital, juntamente com o presidente da Junta de Freguesia de Bagunte, o senhor Bernardino Vilas Boas da Silva, e ainda com o arqueólogo Pedro Brochedo, teve oportunidade de melhor conhecer um pouco da história deste local.

Embora a cividade se concentre principalmente na zona habitacional, toda a encosta que rodeia este alto do monte é considerada como área pertencente à cividade, perfazendo no total cerca de 50 hectares. Foi aliás em 2015, que se deu a primeira vitória, quando a Câmara de Vila do Conde conseguiu adquirir 18,5 hectares de terreno privado, onde se estão agora a realizar os diversos trabalhos arqueológicos e de recuperação florestal.

No entanto, o interesse arqueológico neste local já é antigo. As primeiras escavações arqueológicas ocorreram em 1884-1885, coincidindo com uma série de várias escavações que estavam a acontecer em outros locais. Daí em 1910 ter sido considerado como Monumento Nacional. Mas os anos passaram e o local ficou esquecido.

Ainda foram feitos alguns esforços em 1940, mas apenas em 1994, mais de um século depois dos primeiros trabalhos, se conseguiram resultados. Deu-se início a novas escavações através de voluntariado, as escolas participavam e davam a conhecer o local, cortes de árvores foram feitos e começou então a luta pela aquisição de terrenos privados por parte do município.

Estamos em 2019, e apesar das duas décadas de espera, os resultados começam a aparecer. Neste momento, a Cividade de Bagunte, conta com o apoio do município, através de uma equipa de arqueólogos e técnicos florestais.Também a associação APPA-VC (Associação de Proteção de Património, Arqueologia e Museus de Vila do Conde) presta o seu apoio.

Os trabalhos arqueológicos têm como objetivo diversos pontos. Além da reconstrução parcial das habitações, ao mesmo tempo, são também recolhidas amostras de solo, que são posteriormente crivadas para retirar possíveis vestígios, tais como sementes, carvão, ou pequenos fragmentos de cerâmicas.

Dos vestígios recuperados foi possível detetar a presença de azeitonas, centeio, graínhas de uvas, ervilhas e ervilhacas. Foi ainda encontrada uma maçã datada de há cerca de 2000 anos.

Através dos fragmentos de cerâmica, foram ainda descobertas a presença de cera de abelha, óleo vegetal (muito provavelmente azeite) e gordura animal (possivelmente do leite). A deteção destes alimentos só foi possível tendo em conta que as cerâmicas são um material poroso, e que portanto, absorveriam a água que continha vestígios de outros alimentos.

A datação de carbono é outro método a ser utilizado nas escavações, muito recorrente na arqueologia para obter a idade de plantas e animais. Para isso, Bagunte conta com a colaboração especial da Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos da América. Num intercâmbio que acontece todos os anos, alunos de arqueologia desta universidade participam nas escavações, partilhando os dados conseguidos nos seus estudos. Também a Universidade do Letras do Porto mantém uma colaboração científica através de estágios práticos para os seus alunos.

Outro objetos encontrados no local dizem respeito a items utilizados normalmente pelos povos galaicos, nomeadamente pelos guerreiros, que usavam virias” e “torques”.

Quando à recuperação florestal, está a ser levado um estudo pelos técnicos do município, de forma a conseguir obter uma reprodução local semelhante à da época vigente dos galaicos. Para isso, é necessário ter em conta quais as espécies autóctones a reintroduzir, no sentido de conseguir uma maior diversificação de espécies, não só de flora, mas também da fauna.

Não obstante, o primeiro obstáculo a ultrepassar é precisamente a monocultura eucaliptal que domina o local. Os eucaliptos e alguns núcleos de austrálias que estão a tentar ser controladas com métodos químicos e de descasque.

O passo seguinte passa pela reintrodução de árvores como o carvalho, sobreiro, castanheiro, azevinho, entre outras. 

Tanto a colocação de mais espécies arbóreas, como de arbustos pode aportar a vinda de outras espécies como da raposa, texugos, ouriços e aves de rapina como o buteo vespeiro.

Além da componente ecológica e arqueológica, este projeto pretende ir ainda mais longe através da instalação de um centro de interpretação, que ficará logo à entrada da Cividade. Assim, o público que queira conhecer o local, poderá receber uma breve introdução histórica sobre o local. A ideia passa então, por conseguir toda uma área gerida de forma multidisciplinar, em que as pessoas possam aproveitar o espaço de forma cultural, mas também como um local de lazer, acessível a todo tipo de público. Se tudo correr conforme o previsto, o espaço estará finalizado em 2020-2021. 

Se deseja visitar este local ainda antes de estar totalmente terminado, tem à sua disposição na página do munícipio uma pequena rota da cividade, disponível em https://www.cm-viladoconde.pt/cmviladoconde/uploads/writer_file/document/596/20121017155207764858.pdf. No entanto, lembre-se dos trabalhos que estão a ser realizados e tenha cuidado nos locais onde passa, mantendo igualmente o respeito nas áreas trabalhadas pelos arqueólogos. 

O Minho Digital agradece desde já a disponibilidade e atenção da Junta, ao receber-nos tão prontamente e de forma tão esclarecedora. Não podíamos deixar de enaltecer esta iniciativa que, para além da valorização patrimonial, tenciona igualmente recuperar a área verde envolvente.

Este é sem dúvida um projecto acompanhar, e que daqui a uns esperámos voltar a fazer notícia pelos melhores motivos. Serve também este caso de exemplo para todos os castros que existem em Portugal, mas que infelizmente são ignorados. Um exemplo bem no Alto Minho, seria o Castro de São Cateno, em Longos Vales, do concelho de Monção, onde após vários trabalhos arqueológicos e até a construção de um centro de interpretação, o local se encontra desprovido de qualquer iniciativa.

 

O Minho Digital felicita assim, todo o trabalho, empenho, esforço e dedicação levado a cabo durante vários anos, para finalmente conseguir arrancar com este projecto. Um bem haja a toda a equipa de arqueólogos, e respectivas entidades que trabalham todos os dias para levar a cabo um projecto desta envergadura. Muitas felicitações!

Um obrigada ao Paulo e ao Ricardo pelo interesse demonstrado. 

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