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CNEC – Da História da Fundação (Brasil)

CNEC – Da História da Fundação (Brasil)

AQUELE ROSTINHO PÁLIDO …

Sobre a minha relação com a CNEC não me falta inspiração. Agradeço pelo ensejo de manifestar-me como que em preito de generosidade por tudo que ela me proporcionou. Na CNEC eu estudei (Colégio França Júnior – Penha – RJ), conquistei muitos amigos, inclusive a oportunidade de ter-me casado e deste casamento ter constituído a minha família. E nesta integração já vão mais de 50 anos, como aluno, dirigente, diretor de departamentos e Assessor de Felipe Tiago Gomes na Administração Nacional.

Atualmente um dos 60 associados que participam do modelo corporativo da CNEC, vivo a satisfação de continuar fazendo parte desta história, com orgulho. Sobre as perspectivas para 2014 não me atrevo. Bastaria dizer que confio na capacidade dos atuais dirigentes que tem dado provas da consolidação do movimento cenecista, adaptando-o à realidade brasileira. Não é mais aquela do século passado, quando nasceu, em 1943, e se desenvolveu através dos mais de 2.000 educandários; mas continua cumprindo sua missão mostrando-se uma instituição séria, idônea e competente.

É sempre bom relembrar! E eu relembro com certa emoção, pois muitas vezes ouvi essas histórias relatadas pelo próprio fundador, o inesquecível amigo FELIPE TIAGO GOMES, CRIADOR da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade. Entre tantas, lembro-me da que era atribuída a BENEDITO NARCISO DA ROCHA – Professor de Geografia do Curso de Admissão e que viera a ser o Primeiro Diretor do Ginásio Castro Alves. Esta história está narrada pelo fundador, no livro HISTÓRIA DA CNEG – Vol. I , publicado em 1962, numa edição que conta as lutas e vitórias vividas no período de 1943 a 1949. Uma edição datilografada por Napoleão Leal de Araujo, diretamente no estêncil, com revisão de Edvaldo Correia Siqueira e por mim impressa no duplicador Gestetner. Os recursos financeiros, naqueles tempos eram escassos e muito do que fazíamos era puro improviso. Um desses exemplares, com autógrafo de Haya de La Torre, figura em meus arquivos pessoais.

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Vamos à história: “AQUELE PÁLIDO E SORRIDENTE ROSTINHO …. – UM PEQUENO GINASIANO POBRE – As aulas do “Ginásio Castro Alves” têm aspectos pitorescos. É deveras raro presenciar o espetáculo noturno que observo todas as noites. Rapazes e garotos assistem atenciosamente, de pé, por mais de 2 horas, às explicações que lhes ministram jovens professores, mais novos talvez, do que muitos dos seus alunos.

Mas, dentro deste drama cotidiano, existem outros dramas, quiçá mais pungentes e de que só nos é dado ter conhecimento, depois de obtermos um contato mais íntimo com os discípulos. Foi assim que conheci a história do pequeno Clóvis. Clóvis é um pequeno extremamente irrequieto e sagaz. A princípio observei-o apenas como sendo o aluno mais vadio da classe. Só aos poucos descobri possuir viva inteligência e curiosidade além do normal, para os meninos de sua idade. Repreendia-o bastante: “Clóvis, fique quieto!” “Clóvis, cesse a conversa !”

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Ele obedecia sempre, mas para, instantes depois, estar debruçado sobre os mapas à procura de acidentes geográficos ou a interromper as explicações, para fazer perguntas que, por vezes, embaraçavam-me. Sabia de cor um formidável número de acidentes geográficos e põe sempre os dedos a estalar quando faço qualquer pergunta, – sinal de já ter formulada a resposta precisa e segura.

 

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UM CARANGUEJO INTRUSO

Um incidente houve que o pôs em destaque: alguém conseguiu apanhar um caranguejo na maré e não sei como, veio parar em suas mãos. Certo é que ele enrolou o “bicho” em papel e levou-o assim para a aula. O “pobre” caranguejo, preso, é claro, tentou safar-se e obteve êxito no seu intento, dado a pouca resistência do invólucro. O atento garoto, todo olhos e ouvidos à aula de português, esqueceu-se por completo do embrulho que havia trazido. O caranguejo, livre, principiou um passeio pela sala, agarrando-se às pernas de muitos transformando a aula em algazarra. Facilmente foi descoberto quem havia trazido o caranguejo. Clóvis, o interrogado, confessou que não o trouxera ali com intuitos anarquistas e sim para leva-lo e, mais tarde, saboreá-lo.

Dias depois realizei a primeira prova mensal do GINÁSIO CASTRO ALVES. Convidei diversos acadêmicos de diversas faculdades, para participarem da banca examinadora, isto porque a prova tinha que ser oral, pois não possuíamos carteiras onde os alunos pudessem escrever. Eu não quis participar da banca, pois aos quatro primeiros colocados seriam conferidos prêmios. Verificados os resultados das provas, Clóvis havia obtido o quarto lugar. Os três outros haviam sido devidos por rapazes muito mais velhos do que ele. Clóvis era um garoto de 11 a 12 anos e a classe era composta, em grande parte, de rapazes já de certa idade, sendo estes, como se havia de esperar, os melhores do Curso.  Todavia, Clóvis não se deixa abater e, para os moços examinadores, ele ficou tido como o “de espírito mais sagaz e inteligência mais viva”.

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Uma noite sua mãe nos visitou. Pediu-nos que lhe mandasse o filho um pouco mais cedo, Trazia consigo outro garoto, tímido e sorridente. Depois dessa visita alguém me narrou a desventura daquela mulher. O marido dado à bebedeira e outros vícios, havia abandonado o lar. A pobre mãe viu-se forçada a lutar por si e pelos seus rebentos. Fez de Clóvis um aprendiz de sapateiro. Com isto ele obtinha um ganho semanal de Cr$. 6,00, embora não saindo do Grupo Escolar. Ele tinha outras ocupações que lhe rendiam o suficiente para, com parcimônia, alimentar a família. Pouco depois o caridoso sapateiro que o empregara foi forçado a fechar a oficina e ainda mais, a infeliz mulher perde muitas de suas pequenas fontes de renda. A fome entra para reinar naquele lar.  Clóvis, contudo, não abandona a escola, e ainda, ingressa no nosso curso de admissão noturno. No grupo escolar, vai às aulas sem nenhum alimento: resiste bravamente, a princípio. Mais tarde, sua resistência vai diminuindo. Tem síncopes. Desfalece de fome. Todavia o pequeno continua, com sua inteligência, a satisfazer, assiduamente, em ambas as escolas, sua sede do saber.

Clóvis é, hoje, para mim um raro exemplo de força de vontade e tenacidade. Em minhas horas de desânimo, ponho-me a pensar nesse miúdo garoto. Sua pequena figura aparece-me irrequieta, dizendo palavras em inglês, catadas aqui e ali, por seu atento espírito, ou então a martelar um velho sapato, numa pobre oficina, mas sempre com seu pálido e sorridente rostinho, a sua roupa modesta e quase que diariamente a mesma, demonstrando que as vicissitudes da vida, a fome e o sofrimento, não têm forças suficientes para deter a vontade do homem quando aspira a um nobre e belo ideal !

Histórias como esta do Clovis que acabo de reproduzir, reafirmam o propósito de FELIPE TIAGO GOMES ao criar a instituição que hoje, com seus 70 anos de existência, vive uma realidade diferente dos anos quarenta, agora liderada pelo ex aluno e Deputado Federal ALEXANDRE SANTOS. Certo é que não mais vivemos tamanhas dificuldades. Mas Alexandre e seus companheiros não esquecem as origens da CNEC e, nas oportunidades dos novos caminhos, sempre lembram e divulgam palavras do mestre Felipe Tiago Gomes:

Os fundadores da Campanha não tiveram dinheiro fácil para estudar. Alguns passaram fome para fazer seu curso ginasial. Outros só compravam um par de sapatos quando os velhos, de tão estragados, não podiam mais ser usados. E se revoltavam ao ver tantos jovens desejosos de outros horizontes culturais e proibidos de alcançá-los por falta de recursos! Filósofos, sociólogos e outros homens de cultura afirmavam não ser justa tão tremenda desigualdade: os filhos dos ricos podiam libertar-se da ignorância; os pobres estavam condenados a permanecer na infraestrutura social. Eram os párias sociais, que apenas tinham o direito, quando possuidores do curso primário, de fazer as contas dos donos de botequins e armazéns, passar o jogo do bicho e votar nos chefes políticos, como eleitores de cabresto. Estávamos em plena Segunda Grande Guerra. Os estudantes gritavam por liberdade, aproveitando comícios contra a Alemanha, Japão e Itália. O Recife, às escuras, por medidas de segurança, era a cidade que mais sofria as consequências da ditadura. Aqueles jovens presenciavam o choque de ideias e também deles participavam. Mas, da angústia que martirizava o grupo, uma luz de esperança foi acesa. Que adiantava a libertação do mundo, se o Brasil continuava escravo ? Daí a resolução daqueles moços em busca de uma liberdade, que não brotasse de trincheiras materiais, mas do funcionamento de milhares de escolas”.

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( RELEMBRANDO PÁGINAS DA HISTÓRIA DA CNEC; Publicado pela REVISTA “NOTÍCIAS DA CNEC – OUTUBRO DE 2014 – Página 02 – Aquele Rostinho Pálido”)

 

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