CONTRIBUTOS PARA A HISTÓRIA (24): Recordando Abril de 1974 em Junho de 1977

Governos do povo ou Governos para o povo?

Entre políticos, activistas políticos, emigrantes, refugiados e outros oportunistas do 25 de Abril/74, temos um que ninguém tem a certeza de que é “ex”: o Manuel Alegre ou poeta Alegre. Ex o quê? Verdade, é que ninguém sabe com exactidão porque vivia na Argélia, viajando em passo rápido a seguir à “revolução dos cravos”.

Uns aventam que só podia fazer poesia fora do país; outros que não concordava com a “democracia” de Salazar; e outros, cacarejam nas mesas dos cafés e nas esquinas públicas que, M. Alegre era funcionário de rádio na Argélia, que tinha como missão – aos microfones – desanimar as nossas Forças Armadas de lutarem na guerra do Ultramar português e de incentivar “á luta os movimentos armados que nos combatiam”.

Que Manuel Alegre vivia na Argélia, é verídico. Que profissão tinha ao certo, pouco e poucos sabem. Eu fui obrigado a participar na guerra de Moçambique em zonas de cheiro a pólvora e a capim. Ouvi rádio (não local) com vozes de brasileiras – ao serviço da Rússia – que falavam contra a presença de militares portugueses nas Províncias Ultramarinas. Mas o português, o refugiado, ou o emigrante Manuel Alegre, creio que nunca o ouvi.

Verdade, é que Manuel Alegre veio da Argélia e para fazer política cá, uma vez que passamos a democratas. Já não havia a P.I.D.E.; já não havia o perigo de ir para o Tarrafal. Já podia pugnar pelo marxismo e veio ainda porque no Estado Novo não podia lutar pela liberdade do povo, o que o levou, portanto, a ter de abandonar o país e claro, Portugal que continue a latir, que se desmerde. Na Argélia vive-se.

É neste pugnanço pelo socialismo, que Manuel Alegre neste fim do mês de Maio do corrente ano de 1977, falou aos jornalistas antes da última reunião do Conselho de Ministros sobre a “inconveniência” de um encontro entre o seu PS, o PSD e o CDS, devido a poderem manter a “fidelidade aos seus eleitores”, apoiando a actual forma de governar: “esta forma é aquela que melhor corresponde ao interesse nacional e às aspirações do povo português”.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Ora este Governo é minoritário. A oposição é absolutamente maioritária. E como assim é, pode dizer Manuel Alegre que esta situação “corresponde ao interesse e às aspirações do povo”?

O tal “interesse nacional”, foi nos tempos da ditadura uma afirmação de mais de 40 anos, para serem poder. Justificavam acontecimentos impróprios, a marginalização de Portugal, todos eram inimigos do regime e combatiam-se porque era do “interesse e do bem do povo”.

Alegre, não só parece querer defender a política salazarenta de há três anos, como parece defender Cunhais, Corvachos, Otelos ou corticeiros que navegam em quaisquer águas.

O poeta Manel, marimba-se para as “aspirações do povo”, que são o direito ao trabalho, a um normal serviço de saúde, ao direito a ter-se habitação, ao ensino gratuito para os que não podem pagar, à paz social que não temos e à justiça social, que são tudo miragens, presentemente.

Esquece o poeta Manel, que este seu Governo é um Governo para o povo e não o Governo do povo, conforme foi prometido pelo Movimento dos Capitães. Governos para o povo é o que temos tido há tantos anos, senhor poeta!

Escreveu Carl Cohen, que “a democracia é um sistema em que o povo se governa a si mesmo “através dos seus representantes”. Ora, o partido de Alegre no Governo, não é o “representativo do povo” – porque minoria – mas afirmou aos jornalistas não ser conveniente “encontros” com os outros partidos, argumentando “interesses e finalidades”, embora a solução “drástica da actual política, da económica, da financeira, das profundas dificuldades reais da Nação”, necessitem de ser resolvidas, como acrescentou.

E democraticamente sabedor, continua: “o problema que se põe é o de saber se determinadas forças, nomeadamente forças da extrema-direita não estão a tentar pôr em causa o próprio regime democrático tal como ele está consagrado na Constituição”.

Bravo, Manel! Bravo, poeta/emigrante! Bravo, Kamarada, pois nem Cunhal falaria melhor! Eis porque se montou o 11 de Março, com televisões e tudo nos locais e mais uma vez – tal como os de antigamente – para interesse do povo, se nacionalizar tudo, mesmo que fosse a merda dos currais e das cavalariças.

E que extrema-direita existe, Ti Manel, neste mês de Junho de 1977? Então essa gente, não foram todos enxotados e presos e alguns não foram mortos? Medo – de porem em causa o regime democrático, Ti Manel Alegre – deve tê-lo dos seus primos cunhalistas. Esses sim, podem até vender o país, sem pejo algum, e lutam por um eterno Governo para o povo.

Cuidado, poeta! É que em democracia e na nossa Constituição, estão consagrados os Governos do povo.

E porque é urgente recordar e acordar o povo; e porque é proibido esquecer de como vai este país…, se escreveu o presente texto.

 

(Artur Soares – 3 de Junho de 1977)

 

 

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2 comentários

  1. Parabéns por mais um documento histórico que recorda a triste situação vivida naqueles tempos de construção da “sociedade socialista” nada democrática! Parabéns também pela qualidade do texto!
    Abraço amigo

  2. Grato bom amigo, pela sua saudável apreciação. (Artur Soares)

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