Em menos de um mês, e como previsto, a administração Trump do império norte-americano iniciou a guerra das tarifas, abandonou a OMS e os Acordos de Paris, aumentou as deportações, concedeu os perdões em massa do 6 de janeiro, castrou os apoios da USAID ao estrangeiro, ameaçou os países amigos, e poderá abandonar à sua sorte a Ucrânia e os palestinianos de Gaza. Trump está abandonar a liderança dos valores do estado de direito que criou os EUA.
A governação hiperativa de Trump faz com que os eleitores pensem que este teatro da liderança, os desfiles dos media e dos clips e twits virais, são a política mesmo, e que ocupam o lugar das instituições e das leis, das constituições e do povo. É a política em ambiente de pós-verdade, em que só as emoções contam.
E contudo, o solo político está a tremer não é por causa de Donald Trump nem de Elon Musk, dois dos homens mais poderosos do mundo, mas que não controlam sequer o que se passa nas suas mentes; a terra treme porque vivemos uma brutal crise de confiança nas instituições e estes dois doidos aproveitam-se da nossa fraqueza.
Cresce em todos os países a franja da população que perdeu a confiança no sistema e que depois de verificar que era sobretudo a “esquerda” que dominava, grita – Temos de dar uma oportunidade à “direita”. É isto os algoritmos repetem em todo o lado.
Faço parte daqueles que não deitam fora o bebé democracia com a água do banho da corrupção; que não me vou agarrar aos “maus” só porque os “bons” falharam; que não darei uma oportunidade aos Trumps da vida, só porque os Bidens se revelaram uns fracos; que não desistirei da independência da Ucrânia só porque a vitória é difícil, mas é nossa; que apoiarei o direito de o povo árabe conviver com o povo de Israel; que não vou desistir da solidariedade para com todos, só porque uns a abusaram e adulteram para favorecer minorias .
Mas feitas estas declarações um bocado pomposas para quem não tem peso político, não há como esconder que vivemos a maior crise de confiança nas instituições desde as revoluções europeias de 1848, a maior mudança no papel dos EUA no mundo desde 1945 e a maior mudança nas perspectivas do liberalismo político desde 1989. A terra treme.
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Nestes tempos de revolução e terremoto político, para sobreviver é preciso enfrentar os novos conceitos políticos que os algoritmos transmitem a velocidade estonteante: a hiper-identidade, a pós-verdade, o populismo autoritário.
O populismo pós-autoritário alimenta a fobia do estrangeiro e do forasteiro, uma ideia que deveria ser particularmente repugnante em Portugal, pois fomos um império e sempre com uma grande história de emigração e imigração.
O populismo autoritário defende que a solidariedade é só para os nossos, os nacionais, e mesmo assim, só os “verdadeiros portugueses”. Como é que um país que assistiu a um milhão de Portugueses que passaram a salto para França e Aragança na década de 1960 se deixa convencer pelos populistas autoritários caseiros que o remédio está em expulsar imigrantes ilegais?
Os autoritários populistas, os Trumps e Le Pen da vida, dizem que representam o povo; isso é mentira; são contra a inclusão e a solidariedade que é a cultura pública traduzida do cristianismo que permitiu construir a segurança social, a educação gratuita, e a ideia de que estamos nisto juntos.
A hiper identidade política atribui os males políticos só aos outros. Estamos mal nesta era de turbulência enquanto pensarmos que os eleitores de Trump, Le Pen, Órban, Putin, ou outros com ventura semelhante, são uma aberração; a aberração está em Trump, Le Pen, Órban, Putin, capazes de enganar o eleitorado
Toda a gente sabe que a democracia, a paz e a liberdade nos servem se tiverem instituições capazes de se manter independentes do poder; eleições, tribunais, media, incluindo as redes sociais, universidades. Estas instituições estão ase destruídas por Trump e temos de reagir. Onde houver perseguição à independência dos tribunais, à autonomia das televisões e jornais, onde as redes forem dominadas pelos mais ricos, as coisas estão mal paradas.
Controlar os media é como ferver um sapo digital; vai sendo aquecido gradualmente, no ambiente liquefeito do twitter, do instagram, do tik-tok do whatsapp e mais redes e, sem dar por isso, no fim morre.
A população, ou pelo menos, uma proporção significativa de cidadãos, é induzida a sentir que as instituições são opacas, que nos estão a trair, a tornar-nos inseguros a retirar-nos proteção e, ao sentir-se impotente, passa ao voto de protesto, e vota nos que lhe dizem que vieram de “fora” do sistema e que querem acabar com a democracia.
Que teme as regras do jogo democrático tudo faz para as dissolver como ao sapo na panela; pouco a pouco. Mussolini dizia como se depena uma galinha; pena a pena. Lenine dizia como se corta um salame; às fatias. Trump e Musk dizem como se ataca o estado de direito; ordem executiva atrás de ordem executiva
No dia em que o chanceler Scholz convida o parlamento Federal alemão a declarar o estado de emergência segundo o artigo 115 a) e b) da Constituição, tudo isto é assustador. “Precisamos encarar a realidade do que as ações e as declarações do governo dos EUA significam para a Ucrânia, para a Europa e para o mundo. Não agir significaria pôr em risco a segurança do nosso país e do nosso continente. Eu não vou permitir isso.
A terra treme mas haja quem responda a defender as instituições da democracia.