Os motins de Inglaterra começaram como protesto contra o massacre de três jovens em Southport. Tumultos nas ruas. Tensões étnico-religiosas. Sectarismo comunitário. Ataques a alojamentos de migrantes. Acusações de policiamento a dois níveis.
A Inglaterra está a arder, mas não é apenas por obra da extrema-direita. Há mães e pais contra a situação descontrolada a que chegou a imigração em massa e que é inflamada pela resposta multiculturalista e identitária.
As elites políticas inglesas liberais não querem entender os ressentimentos acumulados nestas questões sempre melindrosas da imigração e de integração. E após a paciência ser testada até ao limite, rebentou o caso de Southport.
A violência é para condenar e a justiça inglesa é tudo menos morosa. Hoje, a 8 de agosto já foram condenados alguns dos criminosos. Mas é ao fecharem-se as portas do tribunal que começa o verdadeiro problema.
Os tumultos em Inglaterra nascem lá no fundo de um terrível dilema que ameaça toda a Europa: “A democracia liberal assenta em valores que não consegue garantir”. Temos democracias, mas será que temos democratas? Temos regimes eleitorais de liberdade, mas que fazem as pessoas com essa sua liberdade?
As comunidades locais, na Inglaterra desde a primeira década do século XXI, experimentaram mudanças económicas e demográficas radicais – em consequência da globalização. A imigração – coisa boa para todos com moderação – torna-se um problema quando não há regulamentação. A massa de imigrantes pressionou milhares de pessoas desorientadas com a transformação das suas cidades. Veio a sobrecarga dos serviços públicos, escolas, creches e hospitais; os salários baixaram. O que era estável, fragmentou-se. A solidariedade social quase desapareceu. E sucessivos governos falharam na integração dos recém-chegados.
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Os governos britânicos –conservadores e trabalhistas – caíram na armadilha da identidade: patrocinaram o multiculturalismo, as políticas públicas de separação entre comunidades étnicas e religiosas – afastando cidadãos em vez de os unir com identidade cívica comum. E assim nasceram os tumultos, da perceção que, embora todas as identidades e culturas sejam celebradas, desencoraja-se a expressão da identidade e cultura britânica (e particularmente inglesa).
As elites governantes liberais atuam como se o dinheiro tudo resolvesse. E ao chegar a violência, atribuem-na à extrema-direita, aos discursos “inflamatórios” de certos políticos, às redes de potências estrangeiras, e acabam por reprimir e condenar umas criaturas de sofá que foram para a rua.
O problema é mais fundo, como dizem autores centristas e socialistas. Os políticos britânicos prometeram reduzir a imigração de massa, mas não cumpriram a promessa, e até fizeram o oposto, o que levou a extrema-direita a questionar os méritos do processo democrático em geral e a recorrer à violência. Mudar de governo em Junho, foi só um alívio da pressão que agora rebenta em muitos locais.
Este surto de violência em Inglaterra terminará em breve (espera-se), e os malfeitores serão punidos. Mas o mais certo é haver novos tumultos no futuro e o problema é como impedir que milhões de cidadãos cumpridores da lei, venham a colaborar com os desordeiros. Vem ao de cima o terrível dilema que ameaça toda a Europa: “A democracia liberal assenta em valores que não consegue garantir”.
O debate sério sobre as questões mais profundas da Europa, quase não existe. Como integrar milhões de recém-chegados e os seus descendentes? Como criar um sentido de unidade cultural e nacional que atraia os moderados? Como impedir que a Europa se transforme numa América com tiros e conflitos civis?
O antídoto para a ladeira do multiculturalismo é o pluralismo: um conjunto claro de valores que constituem o núcleo das identidades europeias partilhadas e onde tem de haver um fundo de cristianismo, mesmo que seja woke. Seja qual for a religião, a origem social, a etnia, o escalão de impostos, se não houver esse credo cívico de respeito, liberdade e pertença comuns, vai haver mais tumultos.