A vitória a 8 de dezembro da Organização para a libertação do Levante – Hay’at Tahrir al-Sham (HTS) – corresponde a uma novidade na relação entre política e religião que os suspeitos do costume não conseguem entender. Para eles, o islão é sinal de guerra e a religião opõe-se à democracia.
A vitória do HTS veio provar – mas só a quem quer perceber – que é possível haver muçulmanos politicamente corretos, como a Turquia de Kemal Ataturk demonstra há mais de cem anos.
O HTS é o vencedor pragmático da nova era e apresenta-se como uma alternativa pragmática numa Síria pós-Assad onde tem o apoio popular. O atual governo abandonou as raízes radicais e alcançou legitimidade internacional.
Os Curdos acordaram uma autonomia com o governo de Damasco, o reconhecimento da língua, a inclusão nas reformas governamentais de 2025 e o regresso dos emigrantes. Menos claro é o fim dos ataques das forças apoiadas pela Turquia,
Os Curdos cederam no reconhecimento de Damasco/Síria unida; na transferência das áreas de maioria árabe aquém Eufrates para a administração síria, na integração das forças SDF no exército sírio.
O HTS ganhou, mas enfrenta uma dura batalha pela legitimidade interna e internacional pois o sucesso do 25 de Abril da Síria depende de muitos fatores.
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Além da vitória dos povos da Síria, quem são os vencedores e os vencidos no jogo de poder em evolução da Síria?
Vencedores externos:
1- Israel colheu benefícios estratégicos significativos do caos da guerra civil na Síria. Consolidou a sua presença nas Colinas de Golã, tanto a nível militar como político e criou uma zona tampão que se estende até Damasco. Dizimou a capacidade militar da Síria com ataques aéreos que eliminaram os sistemas de defesa aérea e as infra-estruturas militares da Síria. Consolidou a sua segurança ao combater a influência do Irão mediante ataques contra as milícias apoiadas pelo Irão e as cadeias de abastecimento do Hezbollah
2- Os EUA têm ganhos estratégicos através da aliança com as Forças Democráticas Sírias (SDF) dominadas pelos curdos na luta contra o ISIS. Os EUA mantêm as bases no sudeste da Síria, restringindo a influência do Irão. Controlo dos recursos energéticos: Os territórios sob influência dos EUA incluem a maior parte das reservas de petróleo e gás natural da Síria.
3- A Turquia teve ganhos regionais. Ao proteger dois enclaves importantes na fronteira, reforçou a sua segurança e criou áreas para o repatriamento de refugiados. As campanhas militares turcas contra o YPG, impedem quaisquer aspirações curdas de criação de um Estado. Gestão de crises de refugiados: A era pós-Assad oferece à Turquia uma oportunidade para fazer face aosrefugiados.
Perdedores:
1- Rússia. A queda do regime de Assad é a primeira grande derrota estratégica de Putin. A perda de bases terrestres, e talvez navais e aéreas prejudica o acesso da Rússia a águas quentes, enquanto se degrada no conflito ucraniano.
2- O Irão de um “Eixo da Resistência” sofreu um golpe devastador com a sua influência diminuída e as suas milícias enfraquecidas
O futuro da Síria tem, por natureza, um cenário de incerteza. Mas após treze anos de guerra civil multifacetada, um movimento pragmático de origem religiosa islâmica mas sem inclinação ditatorial, conseguiu fazer colapsar o regime de Assad e deu início a mudanças no equilíbrio da região.
O fator mais incerto continua a ser a discórdia entre a Turquia e os EUA sobre o YPG, o que complica as perspetivas de estabilidade. Neste clima, as esperanças de paz e reconstrução dependem da capacidade da comunidade internacional para ajudar os Sírios a colmatar divisões profundas.
É dos povos que depende a Primavera, mas é dos equilíbrios internacionais que depende o Verão.