Editorial

Crónica duma solidariedade falsa!
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Manso Preto

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Vanessa Reitor

Directora Adjunta

Recentemente o povo português deu uma mostra de civismo e de bondade digna dos mais vaporosos aplausos! Em menos de duas semanas angariou-se o dinheiro necessário (mais de um milhão de euros) para curar uma bebé em risco iminente de morte. Mas agora, depois termos conseguido aquilo que para aqueles pais era impossível, queremos o troco! Mas, afinal, qual é o nosso conceito de solidariedade?! 

É certo que não podemos andar pela vida pretendendo ser a Madre Teresa de Calcutá, mas não é menos verdade que o caso da bebé Matilde a todos nos tocou. Quando somos pais, a vida toma um sentido diferente e todos nós conseguimos rever-nos na angústia que os pais daquela pequenita sentiam. O caso foi trazido a público num programa matutino dum canal de entretenimento português e rapidamente, tomou proporções quase mundiais. Em menos de duas semanas consegui-se angariar um pouco mais de um milhão de euros, o montante necessário para cobrir a despesa total do tratamento que poderia conter a cura para a doença de que a menina é portadora. A soliedariedade pairava no ar! 

As burocracias foram ultrapassadas, o Estado português disponibilizou-se a comparticipar o medicamento na sua totalidade, o medicamento foi trazido dos Estados Unidos da América, suministrado e agora…? Agora muitos daqueles que fizeram o seu donativo e que acreditaram na causa, querem o reembolso do dinheiro porque “não está bem definido aquilo que os pais irão fazer com o montante angariado”!  Valha-nos Deus Nosso Senhor!  Os pais da Matilde já receberam pedidos de reembolso do dinheiro que foi livremente doado! E é aqui que cabe a pergunta com a qual comecei esta crónica: mas , afinal, qual é o nosso conceito de solidareidade?! 

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Estamos dotados duma dicotomia que, por vezes, roça na irracionalidade! Somos capazes de ficarmos sensibilizados a tal ponto que conseguimos angariar mais de um milhão de euros em menos de duas semanas; mas a seguir, achamo-nos no direito de pedir o dinheiro de volta porque a final o “bondoso” Estado comparticipou o medicamento e já não é necessário aquela família ficar “rica” porque, pelos vistos, já conseguiram aquilo que pretendiam que era “só”  evitar a morte da filha!

Até onde somos capazes de levar o nosso egoismo e inveja!

Eu falo por mim, como cidadã, se achei por bem colaborar com a causa foi porque, acima de tudo, acreditava que era possível contribuir para encontrar a cura daquela bebé! Se depois o governo quis comparticipar o medicamento isso já é “farinha doutro saco”. O dinheiro foi angariado, solidariamente, sem qualquer tipo de obrigação e é isso que deve primar! Cabe agora a quem o recebeu utilizá-lo para os fins que acharem justos. Muitas vezes, julgamos os outros a partir daquilo que nós próprios somos e, se calhar, por isso os pais da Matilde receberam tantos pedidos de reembolso do dinheiro porque, muito provavelmente, algumas das “almas caridosas” que doaram o dinheiro, se estivessem na situação daqueles pais, estariam – neste preciso instante – a planear (quem sabe!), umas feriazinhas no Dubai! Mas acreditem que só quem passa por situações extremas como aquela que viveram estes pais, é que são capazes de entender a falta que faz uma mão amiga nos momentos mais rudes! Estes pais serão os anjos guardiões para muitos outros meninos que possam estar a precisar da ajuda que a pequena Matilde já precisou! 

Desejo à Matilde e a toda a sua família, uma vida repleta de saúde e felicidade! Que possa crescer e ser feliz. E que um dia, quando fique a conhecer a sua história, saiba que houve toda um país que se uniu para a salvar, apesar dos pesares!  

“A verdadeira solidariedade começa onde não se espera nada em troca” 

Antoine de Saint-Exupéry

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