Crónicas (assanhadas) da minha rua

Paula Teixeira de Queiroz

Escritora

Fui ao “bairro” ver se encontrava inspiração e encontrei foi uma enorme constipação. Foi a vingança do Vasco Cromagnon assador de qualquer coisita que mexa, até de um rato faz o melhor churrasco; dos cães do sr. Mário que lambem a fruta ordeira e criteriosamente; do próprio sr. Mário que mantem a unha do dedo mindinho afiada como uma navalha, própria para todo o serviço; da Cacilda que apanhou uma tareia do sr. Mário, o próprio, por ter tirado o buço com cera cor-de-rosa no cabeleireiro da Jacinta, assim chamada por ser afilhada de uma das pastorinhas, já que a mãe a encomendou quase moribunda à santinha e se salvou.

Também foi vingança do pasteleiro que, com voz de falsete, pernas canejas e várias arrobas em cima, me aconselha as empadas alentejanas, cremosas e estaladiças e quando chego a casa vejo que são secas como cavacas, boas para pôr os netos a jogar futebol.
“Ah, mas a senhora não tem netos!”, “Quem lhe disse? Hei-de ter, ora essa! Tenho netos concepturos e vou guardar as empadas alentejanas, duras como cavacas, para eles jogarem futebol!”
“Tem netos quê?!”, pergunta o relojoeiro que por uma pilha das mais pequenas cobra 5€, já que as do chinês cheiram a borracha de pneu como tudo que está na loja: bolachas, pasta de dentes, conjunto de saia e casaco, colar de pérolas mais falsas do que Judas, casacos de peles mais peludos do que o chimpanzé guedelhudo que mora ali na esquina e tem um piercing em cada extremidade, vá-se lá saber qual!
Não fora o saquinho de água quente (do chinês a cheirar a borracha de pneu) e estava a tremer como varas verdes, o pingo a cair dentro do chá com mel, a cabeça a estoirar como as castanhas que o Vasco assa, os pés gelados como o pingo do nariz do urso branco em extinção no Arctico, ó meu Deus, a vida dos pobres escrevinhadores é dura como as cavacas do pasteleiro!

E agora ainda tenho de sair no meio desta tempestade, que me esqueci de mudar o carro, já que os estacionamentos da rua estão ocupados com os carros de relva, que só andam de cem em cem anos. Dúvida existencial: levo a botija ou não?

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Pelo menos há alguém feliz: os taxistas da praça de táxis que têm uma casa de banho luxuosa por trás da árvore, e a torneira do chafariz arranjada, ouviu, sr. Quim, taxista arcuense na capital que assina e lê o Notícias Dos Arcos e me fez a encomenda quando me apanhou nos Arcos este Verão.

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