CRÓNICAS DE MONTE-SANTO: A invenção da rebeldia

“Ah, a juventude!” Quantas vezes ouvimos esta lamentação, pronunciada com um misto de saudade e reprovação?

Os mais velhos, especialmente os meus avós, gostavam de contar histórias das suas juventudes “indomáveis”. Falavam de bailes escondidos, roupas “inadequadas” e comportamentos que hoje provocariam mais risos do que escândalos. Mas será que a juventude deles era assim tão diferente da nossa?
A cada geração parece que se reinventa a ideia de ser rebelde, como se fosse um requisito obrigatório do crescimento. Os meus pais, por exemplo, cresceram no auge da contracultura, embalados pelo rock’n’roll e pelo desafio das normas estabelecidas. Eu, por outro lado, sinto-me um rebelde moderno, a lutar batalhas mais virtuais do que reais, armando-me com hashtags e debates nas redes sociais. E isso faz-me questionar: somos assim tão originais?
A rebeldia, ao que parece, é uma constante geracional. Cada nova juventude ergue a bandeira da diferença, em oposição à geração anterior. Os meus avós, outrora chamados “loucos” por quererem dançar e expressar-se livremente, chocaram a sociedade da sua época. Os meus pais, com os cabelos compridos e ideias “perigosas”, desafiaram as convenções de outra forma. E nós, com os nossos piercings, tatuagens e a obsessão pela autenticidade, caminhamos pelo mesmo trilho.
Curiosamente, aquilo que chamamos “rebeldia” é, muitas vezes, um reflexo das mudanças do contexto social. Não somos tão únicos quanto gostamos de pensar. As normas mudam, mas o impulso de contestá-las é eterno.
Porém, a rebeldia de hoje parece mais “segura” do que a dos nossos antepassados. Eles enfrentavam repressões sociais verdadeiramente severas; nós enfrentamos “likes” insuficientes ou o cancelamento online. Não é que os desafios sejam menos importantes, mas há uma diferença óbvia no impacto e na consequência de cada luta.
Ser jovem é quase sinónimo de querer marcar a diferença. No entanto, se olharmos com atenção, veremos que a rebeldia é muitas vezes apenas uma repetição de padrões, um teatro em que todos desempenhamos papéis já encenados antes. A máscara do rebelde serve para nos destacarmos e afirmarmos perante o mundo. No fundo, todos buscamos o mesmo: aceitação, reconhecimento e amor pelo que somos.
É então, a rebeldia uma farsa? Talvez não. Talvez seja mais justo dizer que é uma ferramenta.
Mas é importante reconhecer que não somos os primeiros a usá-la. Por cada penteado ousado ou roupa “ousada” que escolhemos, há uma fotografia antiga dos nossos avós ou pais a fazer algo semelhante, num contexto diferente.
Sejamos francos: nunca serei tão rebelde como os meus avós ou os meus pais. Tu também não! Eles cresceram num mundo mais duro, quase carcelario, e desafiá-lo exigia coragem. Os nossos antepassados arriscaram a reputação ao delirar durante as danças proibidas, ao abraçar novas liberdades num tempo de censura. Romperam convenções numa época em que expressar ideias ou estilos podia significar exclusão ou mesmo perigo real.
Nós, pelo contrário, crescemos numa sociedade que já nos dá bastante liberdade. A nossa “rebeldia” é, muitas vezes, estética e inofensiva. Uma declaração polémica nas redes sociais dificilmente terá o mesmo peso que as lutas enfrentadas pelas gerações anteriores. Somos, talvez, a geração mais livre da história recente — e, ironicamente, talvez a menos consciente disso.
Mas talvez este seja o sentido da juventude. Cada geração descobre-se através do confronto.
Questionamos os valores que nos são impostos, reinventamos tradições e forjamos novas identidades. Mesmo que, mais tarde, percebamos que muito do que fizemos era apenas um eco do que veio antes, o processo é essencial.

A rebeldia não se perde com o tempo; transforma-se. Os avós que outrora foram jovens rebeldes acabam por se tornar guardiões de novas tradições. Os pais que desafiaram as normas da sua época tornam-se os primeiros a criticar as escolhas “estranhas” dos filhos. É um ciclo natural, mas também necessário.
Talvez seja tempo de olharmos para este ciclo com menos comparações e mais empatia. Em vez de nos medirmos pela ousadia ou pela coragem dos anteriores, deveríamos celebrar a nossa própria forma de ser. Cada geração enfrenta desafios distintos e descobre as suas maneiras de ser “rebelde”.
Mais importante, a rebeldia não tem de ser apenas um acto de oposição. Pode ser um acto de criação. Em vez de nos limitarmos a destruir convenções, podemos construir novas formas de viver e pensar. Que tal uma rebeldia que procure um mundo mais inclusivo, sustentável e justo?
A juventude é, por definição, uma fase de descoberta. A rebeldia faz parte deste processo, mas é importante reconhecê-la como uma constante humana e não como algo exclusivamente “nosso”. Os nossos avós, os nossos pais e nós próprios já enfrentámos — e enfrentaremos — os dilemas de ser jovem num mundo que muda constantemente.
O segredo talvez esteja em honrar o que veio antes, sem deixar de buscar algo novo. Porque, no final, ser rebelde não é apenas opor-se ao velho — é imaginar e construir o novo. E isso é algo que todas as gerações, à sua maneira, tentam fazer.
E tu? Que tipo de rebeldia queres deixar para os que aí vem?

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