Este país está cada vez mais imerso no silencioso “efeito avestruz”: enterramos a cabeça na areia enquanto o mundo à nossa volta continua a ser governado por promessas vazias e migalhas lançadas ao povo.
A classe política, com a sua habitual destreza, oferece pequenas concessões — gestos simbólicos de desenvolvimento — como se estas fossem as soluções para os problemas estruturais de uma região. O resultado? Uma complacência generalizada, uma aceitação passiva de um sistema político que pouco faz além de manter as aparências e consolidar o poder nas mãos de poucos.
É curioso como, perante tais gestos, o povo grita “Ámen, senhor presidente”. Este é o reflexo de uma atitude submissa, um comportamento que não exige contas aos políticos, que não questiona o que é realmente importante. Em vez de exigir responsabilidade, em vez de cobrar promessas não cumpridas, a sociedade prefere afundar-se na ilusão de que os políticos estão a fazer o suficiente. E, na sua maioria, ficam satisfeitos com as balelas lançadas, esquecendo-se do quadro maior, das promessas eleitorais não cumpridas, da falta de soluções para as questões que realmente afligem o povo, como a educação, a saúde e a justiça social.
Esse fenómeno de complacência é uma estratégia bem conhecida dos detentores do poder.
Eles sabem que uma pequena benesse — uma estrada asfaltada, uma licença para construir um prédio — é suficiente para desviar a atenção das questões verdadeiramente fundamentais.
Ao dar-nos o que parece ser uma recompensa tangível, um benefício imediato, o poder político consegue acalmar as massas e afastar qualquer crítica mais contundente. E, assim, a máquina
do Estado continua a funcionar, não para resolver os problemas de fundo, mas para manter a ordem superficial.
Pensadores como Mikhail Bakunin e Pierre-Joseph Proudhon, críticos do poder e do Estado, já no século XIX, alertavam para o perigo dessa aceitação cega do poder. Bakunin via o Estado
como uma máquina de opressão que, ao invés de promover o bem comum, perpetuava as desigualdades e a exploração do povo. Proudhon, por sua vez, acreditava que o poder político deveria ser substituído por uma forma de organização social baseada na autogestão e no mutualismo, onde as hierarquias fossem desmanteladas. Para ambos, o Estado era uma ficção, uma construção artificial que existia para justificar a dominação de uns poucos sobre muitos.
Hoje, a crítica desses pensadores continua válida, talvez mais do que nunca. O problema não é apenas o sistema político em si, mas como a sociedade o aceita sem questionamento. Em vez
de exigir mudanças estruturais, em vez de lutar por um sistema que realmente atenda às necessidades do povo, os cidadãos ficam satisfeitos com o que lhes é dado — que, na verdade, são apenas gestos que mantêm o status quo. E isso não é por acaso. O poder político alimenta essa dinâmica, ao saber que uma sociedade apática é uma sociedade fácil de controlar.
A expressão “Ámen, senhor presidente” tornou-se, assim, um símbolo dessa aceitação quase religiosa. O povo diz “Ámen” a tudo o que lhe é imposto, sem questionar, sem exigir responsabilidades. O que acontece é que, enquanto o povo aplaude as migalhas que recebe, o poder continua a comer todo o pão. As ideologias sem fundamento, as promessas vazias, a manipulação da opinião pública — tudo isso contribui para um círculo vicioso onde o povo, com a cabeça enterrada na areia, continua a ser o maior aliado dos que estão no poder.
Este fenómeno tem raízes profundas na nossa história. O povo português tem uma tradição de subordinação ao poder, de aceitação sem questionamento. Mesmo após as grandes mudanças
da Revolução dos Cravos, a capacidade de exigir responsabilidades políticas continua a ser insuficiente. Muitos ainda se contentam com promessas não cumpridas e com a aparência de que as coisas melhoram, quando, na verdade, o sistema continua a alimentar-se da falta de exigência e da conformidade.
No entanto, a reflexão e a ação crítica nunca foram tão necessárias. Não podemos continuar a viver de migalhas ou a aceitar a política como um jogo de favores e concessões. O povo tem o
poder de exigir mais, de exigir que os políticos cumpram as suas promessas e que as ideologias sejam fundadas em algo mais do que em discursos vazios. Como dizia Karl Marx, a crítica da realidade deve ser feita de forma revolucionária, e isso passa por reconhecer que o sistema, tal como está, não serve ao bem comum.
Ao invés de continuar a enterrar a cabeça na areia, devemos assumir uma postura mais ativa.
O que está em jogo não são apenas pequenas benesses, mas o futuro do país, o futuro da nossa democracia. Se o povo não exigir responsabilidades aos seus governantes, se continuar a contentar-se com migalhas e promessas vazias, o sistema permanecerá intacto, perpetuando a desigualdade e a exploração. Portanto, a verdadeira pergunta que se coloca é: até quando vamos continuar a dizer “Ámen, senhor presidente”, sem exigir um verdadeiro compromisso com o bem-estar coletivo?