Zita Leal
Professora
(Aposentada)
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Tenho visto algumas vezes nos nossos programas televisivos experiências de regressão hipnótica e na maior parte dos casos fico como o tolo em cima da ponte sem saber para que lado cair.
É que dizerem-nos que a fobia à água se explica por afogamentos noutras encarnações, ou que a nossa claustrofobia é o resultado de encarceramentos e torturas de outras eras, dá que pensar.
Pois nestes últimos tempos as dúvidas têm-se instalado no meu espírito e acabam por me prejudicar o sono.
Em miúda os pedidos de bonecas de louça (era só a cara que o resto era cartão), de livrinhos da colecção Joaninha (os mais baratinhos) das sandálias vermelhas (já nessa altura?) iguais às da colega de carteira tinham sempre ou quase sempre por resposta: “ Para o ano a gente vê… “ Hoje tenho remorsos das coisas feias que remordia entre dentes…
Já mulher quando pedia para ir ao baile, à matiné (sim, que naquela altura pedia-se), a resposta invariavelmente era : “ Hoje não, espera por melhor ocasião e mais exemplos de espera que raramente se concretizavam e quando chegava o dia de me dizerem ‘é hoje’ “, sorria amareladamente e respondia que já não valia a pena.
Mas onde é que a regressão entra aqui?
Tento pôr-me na pele daquele que perde o emprego só porque dá jeito à empresa beneficiar de contratações de jovens mão de obra barata e que sem subsistência se tornará num sem abrigo, ou daquela moça sem palhinhas para deitar o filho que perde o juízo e o lança fora como empecilho, ou daquele actor sem palco, sem teto que se deixa morrer à míngua de pão e de palmas, ou daquele homem cego que na rua morre vítima da cegueira social de um país que não o vê e remordo surdamente como quando era menina à espera :
“ Agora já não é preciso, agora já não quero, agora já é tarde “.
Se calhar entra aqui a regressão. Estes nãos à dignidade, ao sonho. à vontade de viver já foram vividos por nós noutras andanças.
Aos aumentos falaciosos que este orçamento nos oferece, permito-me dizer:
“ Não, obrigada, já não são precisos. Reencaminhem-nos para Bruxelas “.
E não tenho remorsos das coisas feias que remordo…