Zita Leal
Professora
(Aposentada)
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Não perdia uma conversa de Vitorino Nemésio quando ele misto de avô, educador e menino sonhador nos dizia “ Se bem me lembro… “. Muito se aprendia a preto e branco no pequeno aparelho de televisão!
Sinal de final dos tempos? Não sei, mas sei que acordei cedo com esta ideia na cabeça “ Que bem me lembro…” E recordo a minha chegada a Ílhavo dois dias depois de me ter casado com o filho do Sr. Durão da padaria, para viver num primeiro andar em frente à alfaiataria do Sr. Júlio. A minha primeira amiga foi a D. Adelaide, dona da casa no beco do Professor Guilhermino. Tinha duas filhas pequenas e o marido cozinhava ao ritmo das ondas do mar da Terra Nova. Foi ele que me ensinou a fazer a “ chora “ com uma cara de bacalhau. Eu nem sonhava que o bacalhau tinha cara…
Mas é dela que venho falar. Devo essa homenagem à Mulher que me ensinou a lidar com as lagartas das couves ainda o PAN não existia para lhes acautelar a existência. A primeira ceia (assim se chamava a refeição da noite) cozinhada por alguém que nunca tinha arranjado uma couve foi um vale de lágrimas. Ao abrir a dita couve, vejo estarrecida uma lagarta a habitar nela. Corro para a escada do pátio e peço ajuda à D. Adelaide. Ensinou como libertar-me dela, mas não consegui matá-la. Ela mandou-a pelo cano abaixo e salvou a situação.
As refeições seguintes passaram a ter acompanhamento de feijão verde, brócolos, nabiças até que o dinheiro curto me curou dessas mariquices. Foi uma grande professora de economia doméstica a minha saudosa senhoria. A ela devo o lidar tu cá tu lá com as lagartinhas, os caracóis, as lesmas. Ah, também me ensinou a acender um fogareiro e a regatear no mercado. São coisas aparentemente sem importância, mas que iluminaram o caminho difícil de dona de casa de uma miúda que tinha medo de lagartas de couve. Nesta época festiva quis prestar homenagem a uma mulher que em Ílhavo não se salientou pela cultura intelectual, mas que se salientou como vizinha e encaminhadora de donas de casa.
O mundo seria mais bonito se todos os vizinhos dessem as mãos.
Obrigada mesmo, Dona Adelaide.