Editorial

Crónicas de Trazer por Casa: Cuturrices e ‘refilices’
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Zita Leal

Zita Leal

Professora

(Aposentada)

Talvez por ser o dia das mulheres, talvez por estar um tempo cinzento, não sei, hoje tirei a tarde para refilar.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

 

Logo pela manhã foi a garrafa do leite que me atazanou a boa disposição quando se agarrou de tal modo à cápsula que me obrigou a ir à cama pedir ao homem ajuda. Além de ter ido incomodá-lo arrancando-o aos braços de Morfeu onde se aconchega todas as noites, senti-me diminuída na minha condição de dona de casa. Onde é que já se viu precisar de um homem para lhe desarrolhar a garrafa? Ele, amigo, de sorriso amarelo confortava-me: “deixa lá, mulher, também me acontece com as garrafas de champanhe…” Tinha que me atirar à cara que as suas fraquezas acontecem com garrafas mais ricas… comecei mal o dia.

Horas de preparar o almoço e mais do mesmo: a tampa do frasco de molho de tomate empancou. Aqueci com cuidado ao lume. Continuava indiferente à minha urgência de estufar o frango. Homem para ajudar, nada. Tinha ido ao café acordar na excitação da cafeína. Eu a ver o tempo a passar, a espécie de galináceo a exigir cor avermelhada, e só depois de marteladas meigas na tampa, o meu tormento acabou. Acho que esta impotência feminina com as garrafas de leite, águas, sumos e parceiros não se estende à masculinidade vigente… continuou mal o dia.

Cozinha arrumada, sestinha à espera, avizinhava-se uma tarde “agrícola“. Nada disso. Campainhas de todo o tipo: telemóvel, porta, apito da máquina de lavar a avisar que o programa tinha acabado … Quem me mandou pôr a roupa a lavar ao domingo??? Volto à sala, ao écran. Dia da Mulher com todas as homenagens e rodriguinhos hipócritas com que a sociedade pensa compensar-nos das violências, das castrações, das humilhações, do pouco respeito pela condição feminina.                                                                                                                                                                                                                                 

Parem! Estamos fartas de raminhos de flores, de pulseirinhas, de anéis, de frases lamechas (hipócritas!).

Estamos fartas de jantares à luz das velas em restaurantes da moda…

Estamos fartas de ser acompanhantes de luxo, de permitir avanços mais ou menos explícitos para ascender a estrelas de passerelle, estamos fartas de subir na horizontal, estamos fartas de ser a costela de Adões de pacotilha.

Queremos ser aquilo para que fomos criadas: MULHERES!

Se querem oferecer algo digno, respeitem-nos. O resto são bugigangas sem valor que para nada servem. Ah, servem sim.

Servem para inglês ver…

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