Editorial

CRÓNICAS DE TRAZER POR CASA: COMO FINTAR O TEMPO?
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Zita Leal

Zita Leal

Professora

(Aposentada)

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Desde miúda que procurei ter uma boa relação com o tempo, aquele tempo que normalmente se mede em minutos, segundos, por aí fora. Nem sempre fui bem sucedida, daí a necessidade de o fintar e utilizá-lo a meu favor. Neste dia cinzento e frio e sem razão aparente, vieram-me à lembrança alguns desses truques de “ fintas “ e o mais antigo tem a ver com a ida à escola.

A mãe chamava-me vezes sem conta e eu queixava-me sem conta também: “ Mãezinha, não aguento as dores de barriga! Nem consigo ir fazer xixi! Se calhar é melhor não ir hoje à escola…”. E a mãe destapava-me, esfregava-me a barriga e nem ligava ao chorinho fingido. A cena repetia-se semana a semana mas eu não me escapava da visita à menina de cinco olhos. Não conseguia fintar o tempo…

     

Ele corre e deixa-me noutro momento a que chamamos adolescência vestida de risos, de choros, de frustrações com motivo, sem motivo, e que nunca mais nos leva ao momento da maioridade em que as raparigas usam meias de nylon, batons, saltos altos, camisolas e saia justa. Muito desesperei! Nunca mais via chegar a autorização para usar saltos altos de verniz… Não conseguia fintar o tempo…

Ele, sim , fintou-me. Louças, fraldas, sopas, esfregões, sabões, vassouras conquistaram a camisola amarela e o bailarico e os piqueniques na praia ou na erva verdinha ficaram na rectaguarda. Não consegui fintar o tempo…

Mas neste último ano a coisa mudou. Sempre tricotei alegremente e sem pressas, para filhos, netos, garotada amiga. Continuo nessa tarefa mas desta vez com preocupação, Acelero as agulhas, olho para o relógio e digo para mim própria: “ despacha-te se quiseres acabar a camisola… “ E meço a estadia ao ritmo do ponto de meia e de liga. Os meus filhos, netos e garotos amigos ficaram com uma camisola nova e eu é que agradeço porque me deixaram finalmente alcançar a camisola amarela nesta corrida da vida.

Consegui fintar o tempo!

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