Editorial

CRÓNICAS DE TRAZER POR CASA: FELIZES OS QUE BRINCAM
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Zita Leal

Deixem-me partilhar uma memória feliz de há cinquenta anos. “ Sim, eu sei que tudo são recordações…” cantava em tempos o Vítor Espadinha. Eu não canto mas conto.

Praia da Barra orgulhosa do seu farol altaneiro e de longo alcance que isso de 23 milhas não é para todos, casas a nascerem na areia, garotada a descobrir caminhos secretos nos canos de futuros esgotos, fogueiras pequenas feitas de pauzinhos roubados à mata onde a criançada assava batata porqueira, castanhas sem golpes, a estalar de quando em vez na cara dos ganapos, risadas, choros amuados e ranhosos, enfim o mundo das crianças reis do nada. Felizes de manhã à noite. Eu também mãe feliz mesmo com aquele cheiro a raposinho que os quatro capitães da malta traziam à noitinha para a banheira.

Nestes últimos dias vejo no écran da televisão crianças feitas de lágrimas, meninos e meninas sem casa, sem esconderijos de brincadeira, sem mães a mandar todos para o banho, sem pais a quem dar um beijo, vejo crianças que não têm mais direito a serem crianças, sem direito a viver e que como a miúda palestiniana de dez anos que pergunta ao céu que mal fizeram os miúdos para merecerem tanto sofrimento. Onde estão nesta altura os Alás, os Jeovás, os Budas e afins para os protegerem? “ Deixai vir a mim as criancinhas porque delas é o reino dos céus! “ era uma balela enganadora?

Quase que me apetece gritar a esses senhores do mundo: “ Organizem-se em duelos, resolvam as lutas de poder entre vós, sejam guerreiros por conta própria, não metam a humanidade ao barulho, deixem tempo e espaço para as pessoas viverem sem serem peões nas vossas guerrinhas de poder. Como é que se arrogam serem deuses guardiões da bondade e do amor, se nem sabem preservar a inocência de quem acredita na vossa existência?”

Ainda bem que conservo a memória das felicidades antigas! Ainda bem que não esqueci que existem crianças mesmo que estas tão infelizes me enegreçam os dias.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Ainda bem que não acredito em deuses!

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