Editorial

CRÓNICAS DE TRAZER POR CASA: UMA HISTÓRIA DE QUASE NATAL
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Zita Leal

Tinha acabado de me sentar à mesa de trabalho do meu “ tugúrio “.

Chamo assim ao quartinho onde livros, computador, televisão, lãs, linhas, agulhas disputam lugar, quadros pintados por mãos amigas, dedinhos de netos agora adultos, fotos de toda a família, três vasos de orquídeas lindas em cima da arca onde toalhas e bordados esperam a vez de rumar ao lar dos netos, flores essas que se devem perguntar a que propósito estão num lugar tão apertadinho , quando a porta de entrada se abre e ouço: – “ o´macaquinha!” onde estás? Apareço e ela: “ Trago-te aqui umas pessoas que querem conhecer-te ”.

Quatro mulheres lindas, um bebé de meses que, ao colo da mãe me olha e sorri. Também elas me sorriem e dizem os nomes. Mandava a boa educação que eu fizesse o mesmo, não é? Pois… o nome não saiu, o sorriso aberto habitual em mim também não. Abri os braços como se tivesse acabado de alcançar a meta, apertei-as de encontro ao peito e água morninha lavou-me a cara. Foi a Cristina que lhes disse o meu nome. Mais calma, levei para a mesa a lata de natal com meia dúzia de línguas de gato , meia dúzia de raivas e bananas. Por dentro insultei os homens da família que quando vêm a casa limpam as bolachas todas num abrir e fechar de olhos como se não houvesse amanhã. Gulosos até dizer chega! A toalha de mesa ainda é de Natal! Também não sei bem porquê…

 Duas senhoras falam inglês e assim vão tentando estabelecer conversa entre todos mas o forte mesmo são os nossos olhos que falam por nós. A certa altura pergunto à Cristina como é que se arranjam para se alimentarem já que dinheiro há pouco. – “ Já te esqueceste que quando éramos crianças e disputávamos os lápis de cor, as bonecas, os brinquedos, tu dizias sempre TUDO É DE TODOS? ” Aprendemos!

Engulo mais uma vez em seco.

Na mocidade, naquele idade em que a gente pensa que é dona da verdade e que viramos o mundo com o nariz, também idealizei uma terra sem donos nem fronteiras. Acreditei ser possível o TUDO É DE TODOS. A realidade demonstrou-me que eu era mesmo parva e a vida encarregou-se de me reeducar ( ou não..). Mas ontem à tarde, à volta de uma toalha de Natal que já devia estar na gaveta à espera do Menino que há-de vir, pensei que à volta das línguas de gato e das raivas doce, estávamos numa terra sem fronteiras. Nem Portugal, nem Alemanha, nem Ucrânia. Eram mulheres, crianças e um homem um pouco arrependido de ser guloso e me fazer passar vergonhas com uma lata de Natal quase vazia. Era a PAZ!

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