De médico e de louco todos temos um pouco

Armando Caldas

Médico

Diz-se que de médico e de louco todos temos um pouco. E de engenheiro. E de professor. E de agricultor. E de pintor. E de carpinteiro. E de pedreiro. E de cozinheiro. E de qualquer arte ou ofício praticada pelo ser humano.

 

 

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A Medicina nos dias que correm é algo complexo demais para ser olhado com perigosa simplicidade ou superficialidade das frases feitas e do politicamente correcto.

A Medicina nos dias que correm é muito mais do que uma mistura de curandeirismo e adivinhação baseada numa visão curta da vida, sendo, pelo contrário um percurso profissional extremamente exigente, tanto no que diz respeito à aquisição de conhecimentos, como à sua adequada utilização para resolver os inúmeros problemas do dia-a-dia.

Na Medicina, tal como em todas as áreas do conhecimento humano, só a ignorância permite que se tente encontrar soluções fáceis para problemas que, por mais simples que pareçam, são por si só muito complexos.

Se tudo o que se debruça o conhecimento é complicado, o conhecimento do funcionamento do corpo humano, desde as mais pequenas partículas de matéria que o constituem, até à precisa arquitectura das células, órgãos e sistemas, à sua interação física e química para o manter em funcionamento interrupto por décadas e capaz de se defender das agressões do meio ambiente, à complexidade técnica crescente que se associa aos meios de diagnóstico cada vez mais sofisticados, passando pela evolução avassaladora dos meios de tratamento, para terminar na individualidade que faz com que não existam dois exemplares iguais, nem duas respostas exactamente semelhantes a um estímulo igual, tudo isso num contexto de exigência milimétrica como garantia  do nosso direito à saúde.

 

Parece a muita gente simples assumir um diagnóstico clínico e a instituição de uma subsequente terapêutica, mas a fundamentação do que parece ser uma simples opinião emitida como resultado de uma consulta médica é o resultado de muito saber e de experiência sucessivamente acumulados.

Além do conhecimento teórico referido, é ainda necessária a experiência para executar técnicas altamente diferenciadas que só se adquirem repetindo muitas vezes procedimentos, primeiro com o apoio de colegas mais velhos, depois por própria conta e risco, nomeadamente nas áreas cirúrgicas onde as estruturas não aparecem com a mesma individualização e às vezes com a mesma disposição dos livros de texto, antes se confundindo num imenso mar mais ou menos avermelhado onde à primeira vista tudo parece igual.

A acrescer à exigência própria da profissão, existe uma exigência crescente por parte dos utentes, a qual obriga o médico a fundamentar cada vez mais as suas decisões, sendo o custo de errar cada vez maior, pois se errar é humano, ao médico não lhe é admitido – cada vez mais – errar.         Exige-se que o médico ”adivinhe” com prontidão um diagnóstico de entre as dezenas, centenas, ou mesmo milhares de “doenças” que podem estar debaixo da mesma capa de sinais e sintomas, desde as mais prováveis às mais improváveis, passando pelas já descobertas e pelas ainda por descobrir.

Exige-se que o médico seja Deus e escravo ao mesmo tempo. Deus com o dom de curar – mesmo quando não é possível – escravo para nos servir de forma tendencialmente gratuita e quando nos for conveniente.

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Ser médico é cada vez mais uma profissão de risco, onde uma pequena desatenção, por vezes milimétrica, pode custar indemnizações milionárias 

Cada vez mais o médico é, perante a instituição e perante a sociedade, um mal necessário e não o elemento diferenciador no tratamento e profilaxia das doenças.

Cada vez mais as instituições se preocupam em ter funcionários para fabricar atendimentos de doentes e menos em ter profissionais para os tratar adequadamente.

Cada vez mais as instituições se preocupam mais com o politicamente correcto do que com o correcto.

Contrariamente a outras profissões, o trabalho do médico não termina com a hora de saída da instituição de saúde, pois o doente continua à sua responsabilidade, mesmo que indirecta, até quando o médico está em casa com a família.

Talvez por isso a profissão já tenha visto melhores dias –  no nosso país e não só.

É claro que quem não está bem muda-se.

E é isso que tem acontecido…

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