Editorial

Em Abril, Histerias Mil
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Germano Amorim

Germano Amorim

Advogado

A histeria coletiva que se tem feito abater sobre a comemoração do 25 de Abril no Parlamento não pode deixar de merecer reflexão. Em primeiro lugar, pela questão semântica, que por mais que afirmem, nunca é de somenos importância.

Comemoração é o ato de trazer algum acontecimento à memória, não sendo assim sinónimo exclusivo de festa. Pode em ultima ratio até servir os que não concordam com a sua realização, de pretexto ótimo para mal dizê-la e criticar abertamente aquilo que entendem como malefícios que o 25 de Abril trouxe à sociedade, mesmo, pasme-se, tanto se elogiando o 25 de Novembro, mas, aí chegaremos.

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O que nos leva inevitavelmente à segunda ponderação, a cronológica. Uma data é uma data assim assincronamente ordenada e, a lei do tempo, nessa sua coerência lógica em que em tudo manda, não perdoa. É que a segunda data, sem a primeira, por mera imposição disciplinar, fatalmente não existiria, quanto mais política assim a terceira e mais importante. 

A pertinência de análise política é assim a pedra de toque. A ideia de que sempre que os deputados se juntam numa parlamento em assembleia parece ao povo cheirar, cada vez mais, a clima de festa, de nada se fazer, de inutilidade. Dessa linha ingénua, mas genuína, talvez derive a terrível ilação criada acerca de se festejar o 25 de Abril no Parlamento. O raciocínio que se escuta, por quem anda fora de gabinetes, por baixo de máscaras, é a de que esta gente, principescamente paga, está a exigir aos que os elegeram aquilo que não têm capacidade para fazer dentro de portas.

Este é o pensamento que creio ser, se não o dominante, muito significativo, já que as pessoas acreditam, ou querem acreditar, que como “bem prega Frei Tomás; olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz.”

O 25 de Abril, recorda-se essencialmente na sua base axiológica e no percurso que foi necessário trilhar para aqui chegar. Não se festeja ou comemora como os Santos populares. O que leva a aflorar da utilidade do ato num espaço confinado sem possibilidade de fuga possível de muita bacoquice que nesse dia reiteradamente se vai escutando.

Por um lado, os seus defensores que, pelo menos aparentemente, tanto gostam do cravo que mais parece o quererem afogar, de tanta água que lhe servem. Estes, ávidos de eterno reconhecimento de que são os únicos legatários da data e do seu significado, nem muitas vezes sequer toleram que seja um dia para críticas mas sim e apenas, de lindas récitas poéticas revolucionárias. Os defensores da transformação do 25 de abril num espaço paradoxalmente religioso, dogmático e acrítico onde se muitas vezes se louvam utopias que em nada se compadecem com regimes democráticos.

Por outro, os que, segundo se faz crer, abominam a data, mas não têm a coragem de o admitir. Esses transformaram-se todos, logo a 26, igualmente grandes democratas de cátedra, que bem apoiados nas suas militâncias partidárias, lá se vão mimeticamente safando ao sabor de qualquer regime ditatorial ou num bom sistema democrático pluripartidário. É assim um dia marcadamente maniqueísta para muitos e conforme teses filosóficas acerca do estado originário da condição humana, ser naturalmente boa, ou, má.

E, em síntese, temos finalmente os outros. Os que se crê que ainda estejam em salutar maioria democrática. Os que acreditam que o mundo não é a preto ou branco, mas que tudo é preto e branco. Que assim acreditam num salutar equilíbrio virtuoso de valores. É nestes últimos raros que recai muita esperança. Por que tal como a justiça que trata de equilibrar os pesos numa balança, não olhando a quem se aplica, também sobre estes recai o peso incomensurável de escutar atentamente as súplicas populares e de lhes dar o atendimento devido. Recai sobre eles a liberdade de pensamento para se expressarem sobre como o decretamento do estado de emergência tem como consequência direta a afetação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, conquistados a partir de 25 Abril, passando pelo 25 de Novembro e de todas as hodiernas conquistas.

Sobre estes recai o dever de lutar pela igualdade de direitos e de oportunidades, em que cada vez menos se acredita. De lutar contra todo o tipo de tirania, que impede o progresso da humanidade e a subjaz a uma existência abalada por comportamentos exaustivamente reiterados que contrariam a dignidade da pessoa humana, afetando a condição económica de cada um, com exigência de esforços verdadeiramente desproporcionais face ao que cada cidadão médio pode comportar. Seja pelo peso de Atlas das contas da água que vão surgindo, seja pela forma opaca de exercício de pequenos poderes que vão lentamente corroendo, qual ferrugem no forte ferro, até o tornar poder podre, inútil.

São esses que têm assim de lutar pela equidade de distribuição de rendimento para que fraternalmente se consigam esbater fronteiras impostas por muros inexpugnáveis à condição do normal cidadão. São estes que nos devem explicar que esta crise nos afetará de forma indelével, ainda por muito mais tempo, tornando a nossa vida muito mais difícil, originando muitos problemas complexos e assim expondo o regime democrático a fragilidades que vão crescendo, dia após dia, até possivelmente o tornarem tão frágil que se destruirá com um sopro mais forte de tanta indignação por aí esboroada.

Assim, sou inabalavelmente a favor da sua comemoração, sem hesitação e qualquer tipo de histeria redutora que nos condiciona e subjuga a um plano menor de discussão sobre a quantidade de deputados que devem democraticamente representar-nos naquele dia.

Exige-se porém solenidade e parcimónia já que motivos para festejar, com pompa e circunstância, não se vislumbram muitos…

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