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Em Melgaço, a ‘noite’ já não é o que era

Jovens a conviver

Não é da crise nem da distância, nem do frio: A ‘noite’ é de modas, e Melgaço não é o destino do momento.
A percepção é de quem já a viveu como frequentador e agora trabalha neste ramo, do lado de dentro do balcão. Os jovens melgacenses que apostaram no sector asseguram que “as modas” ditam a cada ano novas paragens, e quem sai da moda fica à espera que o ciclo volte a promover a passagem pelo seu estabelecimento.

A percepção é de quem já a viveu como frequentador e agora trabalha neste ramo, do lado de dentro do balcão. Os jovens melgacenses que apostaram no sector asseguram que “as modas” ditam a cada ano novas paragens, e quem sai da moda fica à espera que o ciclo volte a promover a passagem pelo seu estabelecimento. O problema é, para estes, a falta de jovens num concelho que não gera uma camada que queira (ou possa) ficar, sair à noite e fazer vida no concelho.
João Silva, Márcio Nabeiro e Tiago Bravo, deram o seu primeiro passo em 2012, investindo como sócios num dos espaços privilegiados do concelho melgacense. Devido à centralidade do espaço e à sua vocação abrangente, assumindo-se um comum espaço familiar durante o dia e de espririto jovem à noite, os jovens pensaram em marcar logo pela diferença. Fizeram algumas mudanças de imagem no bar e foi com nova roupagem que apostaram na promoção da animação das noites de sábado. “Quando abrimos, o pessoal saia mais à sexta-feira em Melgaço, ao sábado ia para outros lados. Queriamos mudar o sábado em Melgaço”, referem. E desde aí, têm promovido desde concertos de música ao vivo a sessões de comédia, na sua tentativa de manter também nas noites de sábado a clientela jovem que habitualmente se desloca até Monção, onde os espaços de diversão nocturna são mais e variados.
Mas o Inverno, exceptuando as épocas festivas, é geralmente “mais calmo” para os estabelecimentos melgacenses. João Silva e Márcio Nabeiro recordam a adesão lenta que a clientela, hoje mais frequente, teve nos primeiros tempos de implementação do conceito. “Pensamos que iríamos ter uma adesão maior, mas acabou por acontecer aos poucos”.
Como evitar a sangria das noites de sábado, que deixa as ruas de Melgaço desertas, rumando até ao concelho vizinho? Quando a noite é de modas, assumem pouco poder fazer, sobretudo pela falta de oferta de espaços de diversão para lá das quatro da madrugada. “As pessoas vão mais cedo para outros locais, nomeadamente para Monção, onde há discotecas”, atiram. “Estamos a tentar manter que as pessoas fiquem cá, mas estamos limitados porque isto é um bar, não pode deixar de ter este conceito”.
Afinal, o que se passa com a noite melgacense, que chegou a ter mais do que uma discoteca aberta? Aparentemente, é a moda, onde a maioria dita. “Seria um risco apostar num espaço discoteca neste momento”, constatam.
Um dos espaços outrora utilizados para o efeito, sobre as Piscinas Municipais, seria, para os jovens, demasiado arriscado e só algum investimento da autarquia poderia torná-lo viável. “Já fomos visitar o local e está um pouco deteriorado”, revelam. No entanto, não baixam os braços contra a tendência da fuga e assumem a vontade de querer ser “a equipa que movimenta a noite melgacense, e já demonstramos isso”.
Olham para a outrora discoteca das Piscinas Municipais e vêem com bom grado qualquer investimento, privado ou público, na recuperação das instalações e consequente abertura no modelo em que habituou a juventude local. “Quem quer que venha a investir ali, será bom para eles e para nos, mas é preciso um investimento muito grande”.

Não longe dali, Samuel Silva luta para manter aberta a porta de um dos espaços mais alternativos da lista de bares em Melgaço. É com notas de jazz, blues ou o rock melódico dos anos 60, 70 ou 80 do século XX que se fazem as noites na Garrafeira.
Há vinte anos que a casa ganhou o nome, mas só em 2002, quando Samuel assumiu a gestão do espaço, que algumas renovações permitiram apurar a essência do espaço. E foi um pouco contra a corrente, atendendo à tendência de um público cada vez mais pop e um concelho de raízes mais próximas do folclore e das notas da concertina do que do saxofone de Charlie Parker – imortalizado num dos cartazes mais proeminentes do espaço – que o jovem empresário foi persistindo com um espaço “diferente”, onde “se pode estar a beber um Gin e a conversar”.
“A ideia foi sempre tentar marcar pela diferença e personalizá-lo em vários aspectos. O conceito do jazz, ter bandas de jazz e concertos acusticos é diferente. Quando há música ao vivo, é apenas uma guitarra e uma voz”, refere Samuel Silva.
Os gins, o whisky ou até as cervejas do mundo são servidas com música de fundo, com origem na folk americana ou nos sons mais genuínos dos subúrbios americanos, enquanto se olha para a banda, para a companhia, se houver, ou para uma exposição de fotos, que frequentemente tomam lugar num dos cantos do bar.
“Não existe concorrência à Garrafeira. Só se houvesse em Melgaço outro bar com o mesmo tipo de oferta, mas por cá, nos bares trabalhamos conceitos diferentes. Eu próprio frequento outros bares e sei que eles tem o seu ambiente”, observa Samuel.
“Durante muito tempo, a Garrafeira trabalhou muito bem porque a faixa etária da clientela era jovem, mas não houve outra que renovasse essa que, ou emigrou, ou casou e já não sai tanto”, lamenta ainda a propietário.
A criatividade nos programas e a sua concordância com as melhores datas, quando os que estão longe visitam a terra e os locais que frequentavam são alguns dos desafios dos novos operadores deste sector. Os fins-de-semana com vinhos e degustação de queijos são uma das mais recentes apostas de Samuel, que não tem medo de assumir um público mais “cuidado” no momento de sair e ter algo diferente para experimentar. “Muitas vezes comentavam que é so para elites. Não é, qualquer pessoa pode vir, mas vejo que há que venha até à porta e não entre porque não se identifica”.
Por outro lado, o acto social de sair à noite para ir com amigos fazer algo diferente já não é, segundo Samuel Silva, um acontecimento tão importante como no seu tempo terá sido. “Quando eu saía à noite, tomava um banho mais demorado, vestia a melhor roupa, usava a melhor colónia, era quase um dia de festa. Hoje isso perdeu-se isso, sai-se até de fato-de-treino”.
Que peso tem a inflação, os preços em euros, os rótulos gourmet nos melhores produtos, no momento de ir a um bar e experimentar as ofertas? Samuel responde à provocação sem assombro. “Sair à noite não é caro, há bebidas e preços para todas as carteiras. Não acompanhamos a inflação, o que vamos vendo é o evoluir do mercado nos outros locais, para haver um equilíbrio. Há vinte e cinco anos em Melgaço, na discoteca K.U, a cerveja já custava quinhentos escudos e um whisky-cola já custava oitocentos escudos. Hoje, uma cerveja custa um euro, um euro e meio, e um whisky-cola custa três euros e meio. Se as coisas tivessem acompanhado o evoluir dos preços, hoje um whisky numa discoteca tinha de custar dez euros, mas as coisas não acompanharam os tempos porque a carteira das pessoas também não acompanhou”, justifica.
Recordando os “dias melhores” de um concelho que hoje é cada vez menos rota dos vizinhos, Samuel diz continuar a remar contra a maré e esperar que a vontade de ficar volte a renascer nos jovens. “Há cinco anos, quem trabalhava no sector trabalhava com gente de Melgaço, mas sessenta por cento dos clientes eram de fora. Hoje é mais dificil, é com os de cá, e são poucos”.

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