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Entre a vida e a morte

Sentado numa esplanada a apreciar a noite, no jardim interior da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, no Hospital de São João, percebi como a vida é paradoxal.

Atrás de mim, numa sala colorida, o som de gargalhadas, abraços e lágrimas de alegria marcava o fim de um ciclo — estudantes a celebrarem a conquista do curso de Medicina e o início de uma nova vida profissional. À minha frente, num edifício pintado a bolor, um silêncio discreto: a Unidade de Cuidados Paliativos — onde alguém, possivelmente, se despedia da vida.

Ali, entre dois mundos do mesmo mundo, tornou-se claro como a celebração da vida convive com a presença da morte. Enquanto uns projetavam sonhos, outros revisitavam memórias; enquanto uns desbaratavam oxigénio, outros valorizavam-no como nunca.

Naquele instante íntimo de reflexão, em paz com a pouca natureza que ali vive – também ela em paz, a brotar ensinamentos maiores do que todos os livros escritos sobre o valor da vida -, perguntei-me: terão todos, em algum momento, tomado verdadeira consciência da finitude? Terá essa consciência moldado as suas escolhas, a sua forma de estar no mundo e de se relacionar com os outros? Num tempo que corre sem parar, que se afoga em ruído, em guerras por coisas de nada, comparadas com a magia de estar vivo – uma possibilidade quase impossivel -, o que nos está a cegar? Repito: o que nos está a cegar?

Os que festejam hoje viverão, no futuro, as partidas dos que agora são meros espetadores vencidos pelo inevitável. E os que se despedem também já celebraram, amaram, erraram e, provavelmente, estiveram um dia em salas tão festivas como aquelas, com vizinhos na condição em que agora eles se encontram.

Nas conversas de circunstância sobre o assunto, os mais simplistas resumem tudo numa frase: “É a vida”. Soa a resposta apressada de quem não se deu ao trabalho de refletir. Mas, no fundo — talvez sem saber, ou sabendo bem demais — estão a dizer tudo. Porque a vida, que passa depressa entre a celebração e o silêncio, foi sempre assim e será sempre assim. E só ganhará sentido pleno quando percebermos o quão preciosa ela é –  o que acontecerá quando valorizarmos a natureza e aquilo que é o nosso único bem verdadeiramente escasso e finito: o outro!

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