Mas afinal quem sou, para alĂ©m de uma considerável soma de formalismos acumulados ao longo de anos e anos que levo a negar-me a mim prĂłprio, o tal livre arbĂtrio de que fala o estafado pregĂŁo da sempre suspirada liberdade?w
Serei sĂł mesmo alguĂ©m que nem coragem tem para se atribuir umas fĂ©rias de si prĂłprio, que o libertem – ainda que por breve perĂodo – de uma consciĂŞncia censora apertada num preconceituoso espaço amuralhado que alguĂ©m um dia formalmente qualificou de carácter sĂłlido e bem formado?
Sim, sĂł posso ser mesmo esse homem conformado que sempre se mostrou pronto a cumprir o que todos esperaram de mim, alguĂ©m que escolheu deixar neste mundo a imagem de um ser que nasceu para servir a vontade de outros seres com o silencioso sacrifĂcio da sua prĂłpria vontade.
EU, PREDADOR DE MIM
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Que estupidez, eu sei, mas que fazer
Se entre tantos registos disponĂveis
Eu dou comigo sempre a escolher
Os mais infandos, tristes, indizĂveis.
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É masoquismo pleno, não o nego
Esta eleição da dor, incontornável
Malquista tentação, pareço cego
À razão que me chama irrazoável.
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Qual vampĂrico ser, eu busco a escuridĂŁo
SanguĂfica e cruel, a mente traz-me estĂłrias
E entĂŁo me torno o predador de mim!
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Em pavor me retorço, em pasmo e aflição
Exposto aos hologramas das memĂłrias
Até que o sono pare aquele festim.
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“ A vocação masoquista da natureza consentiu que o vĂrus humano a invadisse e nela sobrevivesse ”
(Casimiro de Brito)