Editorial

Eu, Sophia de Mello Breyner, o mar e a guerra
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Damião Cunha Velho

Muita coisa poderia escrever de Sophia, mas o que me ocorre agora é aquilo que temos em comum.

Ambos gostamos de crianças, do mar e de Lagos, no Algarve.

Sophia inventou a literatura infantil porque entendia que os livros que os seus cinco filhos liam não tinham beleza e magia. Então, escreveu-os para eles.

Podia ter sido Secretária de Estado da Cultura e não aceitou para cuidar do seu filho preferido, Xavier, que tinha ficado com sequelas graves de uma pancada na cabeça, a que se seguiu um coma. Amar um filho doente é uma loucura, dizia.

Sobre o mar não se cansava de escrever poemas, e esperava sempre que as ondas lhe dissessem qualquer coisa, porque o mar tem sempre algo para nos dizer.

Com o marido, Francisco Sousa Tavares, fugido ou preso, provou as agruras da ditadura. E a injustiça era um incomodo tão grande para ela como a falta de liberdade, de amor ou de verdade. Os quatro pilares que poderiam sustentar um sítio tão frágil como o mundo.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Escreveu coisas fabulosas em Lagos e de Lagos, terra que amava e que lhe mantinha os olhos pregados no mar. Algumas numa praia que eu, tal como Sophia, adoro. A praia de Dona Ana.

O curioso é que, apesar de saber da luta política de Sophia, sempre li os seus poemas por causa do mar. Do seu mar que também é meu.

Acontece que hoje ao reler Sophia encontrei um poema que talvez já tenha lido, mas que não retive. Foi escrito em Lagos, talvez na praia de Dona Ana e não fala do mar, fala da guerra, agora aqui tão perto como o mar.

“Os ditadores – é sabido – não olham para os mapas

Suas excursões desmesuradas fundam-se em confusões

O seu ditado vai deixando jovens corpos mortos pelos caminhos

Jovens corpos mortos ao longo das extensões”!

Tão atual Sophia!

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