Falemos do teatro da vida

Nesta época dita da comunicação, somos quotidianamente tomados de assalto por todos os meios que difundem noticias e actualizam toda uma vasta panóplia de matérias cuja absorção inconscientemente limitamos ao consumo do que consideramos essencial.w

Ouvimos, vemos, lemos muita coisa de muita gente; repórteres, governantes, cronistas e pretensos formadores de opinião com variadas visões sobre a sociedade e os seus mecanismos técnicos, sociais e culturais, religiosos, etc. Enfim; tudo o que à vida diz respeito.

O curioso é que nos esquecemos de comunicar connosco próprios, de conhecer o que sentimos e sobretudo o que sentimos sobre o “outro”; o nosso irmão, o nosso vizinho, o nosso companheiro(a).

Em segundo plano, vamos colocando o humor, a fantasia, enquanto subalternizamos a verdadeira cultura, na qual se inclui a boa leitura, a poesia e o teatro, tão importantes no equilíbrio de um espírito saudável e de um carácter bem formado.

Assumimos os nossos papéis ao ponto de os auto teatralizar, de tal modo que depois nos esquecemos do ser quem realmente somos, ou seja; de gerir, com realismo, as nossas próprias emoções. E o pior é que nos esquecemos também de tentar entender o “outro”, com consequências muito negativas em termos da nossa intervenção na comunidade a que pertencemos fisicamente, mas sem nos envolvermos em termos sensoriais e intelectuais, e até deixamos cair sentimentos como os da verdadeira amizade, da partilha, do altruísmo, da solidariedade, ou mesmo os de um sincero amor.

Hoje em dia fala-se muito em “presentismo”, termo inventado que pretende significar o estar-se fisicamente presente, mas sem o estar realmente de espírito pleno. Refiro-me à vida familiar, social, e ao próprio emprego, onde se espera de nós a disponibilidade de todas as nossas capacidades mentais e caracteriais, e, naturalmente, o nosso justo e total empenho.

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

O fenómeno tem tanto mais razão de ser quanto é verdade que o nosso cérebro absorveu demasiada informação para cuja adequada gestão não está, obviamente, preparado.

Parece que assim estaremos a pôr “a carroça à frente dos bois”, o que decididamente não nos leva a lado nenhum, a não ser a um perigosa anarquia de sentidos potenciadora de perigosas patologias do foro neurológico.

Contrariar este processo que ameaça tornar-se irreversível, não é fácil, mas é forçoso que o tentemos, sobretudo a bem dos mais jovens, que contam que sejamos os seus heróis, as suas referências, tal como nós contámos com os nossos progenitores e outros familiares.

Talvez uma boa terapia seja mesmo a de ir ao teatro, e, uma vez lá, deixemo-nos penetrar pelo mundo encantado, esse sim; do faz de conta. Mas, uma vez de volta à vida real, sejamos autênticos num mundo que bem precisa do nosso realismo.

 

O TEATRO DA VIDA

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Vive de farsas e dramas intensos

A representação do que não somos

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E quantas vezes ficamos suspensos

Sem intuir que nos tornámos cromos

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E entranhamos nos gestos e no rosto

A nova cruz, e toda a fantasia

C’o sacrificio que nos é proposto

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Quotidiano este! – Quem o quer?,

Indumentado de triste palhaço

Jamais desperto ao som de Moliére

Mas c’o ruído do rolar do aço

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E lá voltamos pra casa à tardinha

Ainda afivelados ao disfarce

Incógnitos até perante a vizinha!

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