Editorial

FASCISTAS E GAMBOSINOS
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João Cerqueira

João Cerqueira

Professor / Escritor

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Desde o 25 de Abril, há um fascista em cada esquina pronto para derrubar a Democracia. Fascistas em Viana do Castelo a comer bolas no Natário, fascistas nas Antas a gritar ”bibó Porto”, fascistas na Serra da Estrela a fazer bonecos de neve, fascistas a comer leitão na Bairrada, fascistas em romaria a Fátima, fascistas a conspirar no Rossio, fascistas em Grândola a cantar a Vila Morena, fascistas nas praias do Algarve, fascistas a arpoar baleias nos Açores e o grande facho Alberto João. Há ainda fascistas LGBT e fascistas Poliamor; fascistas ambientalistas e fascistas vegan.

Com tanto fascista à solta, custa a crer que ainda sejamos uma Democracia. É um milagre. Fátima, apesar das romarias fascistas, é antifascista.

A estratégia da ameaça fascista foi inventada pelo PCP e seguida pelos que agora formam o BE para justificar a diminuição da liberdade e desviar a atenção dos problemas económicos. Uma mentira mil vezes repetida que se tornou verdade. E, no entanto, quem realmente tentou um golpe de Estado foram os comunistas e a restante extrema-esquerda a 25 de Novembro. É, por isso mesmo, que ainda se recusam a comemorar a data. Para os democratas, o 25 de Novembro representa a derrota de forças totalitárias. Mas para o PCP e o BE representa o fim de um sonho: a instauração de uma ditadura comunista – estalinista ou trotskista, conforme o gosto – em Portugal.

Mário Soares nunca se deixou enganar pela ameaça fascista. Sabia que o verdadeiro inimigo era a extrema-esquerda e combateu-os ao lado de Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Cunhal também sabia quem eram os seus reais inimigos. Odiava Soares e todos os dirigentes democráticos que o impediram de tornar Portugal um satélite da URSS.

Portugal deve a sua Democracia ao PS, ao PPD e ao CDS. O PCP e a UDP, PSR e restantes criadores do BE queriam um regime ditatorial, sem Democracia burguesa. Sem eleições livres. Estiveram sempre do lado do totalitarismo, lamentaram a queda do Muro de Berlim e, mais recentemente, quando a UE equiparou o Nazismo ao Comunismo, votaram contra. Pelo menos, são coerentes. Odeiam as sociedades livres e o sistema de mercado. Ou seja, a civilização ocidental.

Mais de quarenta anos depois, com uma nova crise económica à porta, recorrentes escândalos de corrupção e uma agravada negligência do Estado na protecção dos mais fracos, regressa a ameaça fascista. Um Fascismo renascido, pós-moderno, facebookiano – de fazer inveja a Mussolini. Tal como em 1984 de Orwell o Ministério da Verdade inventara um inimigo tenebroso chamado Emmanuel Goldstein para distrair o povo, o regime português, com a colaboração da imprensa da verdade, fez soar as sirenes de um ataque fascista. E os dois minutos diários de ódio já começaram.

Entretanto, há milhões de seres humanos a morrer à fome na Coreia do Norte, presos políticos em Cuba e na Venezuela e um tirano na Bielorrússia, mas poucos questionam o apoio do PCP e do BE a ditaduras. Um grupo de académicos redigiu um manifesto contra um livro que classificou de fascista sem o ler (ai quando o Stephen King souber), uma coligação de artistas e escritores encheu-se de pundonor e denunciou essa grave ameaça e comentadores probos não falam doutra coisa. Todos juntos, de lança em riste, investiram contra o moinho de vento do Fascismo.

No entanto, a presença da Coreia do Norte na Festa do Avante nunca lhes mereceu um reparo e a presença de Cuba e da Venezuela na lista negra da Amnistia Internacional tão pouco lhes tira o sono. Porque nestes países o Fascismo, assim como a dignidade humana, foram erradicados.

 Os ingleses chamam a isto double standards – duplicidade de critérios ou hipocrisia. Todavia, como se trata de um grupo de grandes educadores do povo iluminados, certamente que têm uma explicação para justificar o seu silêncio cúmplice ante a violência sobre seres humanos. Há ditadores bons e ditadores maus, genocídios condenáveis e genocídios aceitáveis, assim como há grupos étnicos que podem espancar as mulheres e forçar menores a casarem-se. O segredo de tanta e tão soez contradição está bem guardado mas, por vezes, lá deixam escapar algumas pistas recorrendo a figuras de estilo: desvios, erros, passos para trás para dar saltos para a frente, multiculturalismo, preconceitos do homem branco e saudades das colónias.

Como o sentido desta poesia hermética me escapa, ocorrem-me as seguintes palavras: falta de cultura democrática, ou de vergonha.

Querem realmente denunciar o Fascismo, as violações dos direitos humanos, a tortura, os desaparecidos? Olhem para a extrema-esquerda. Perguntem ao PCP e ao BE por que motivo não condenam regimes sanguinários. Perguntem a Jerónimo de Sousa o que pensa dos campos de concentração na Coreia do Norte ou a Catarina Martins se gostaria de visitar os presos políticos em Cuba e na Venezuela. Perguntem-lhes como podem defender a Democracia e a ditadura ao mesmo tempo. Como podem falar da dignidade humana sem se rirem.

E perguntem a vós próprios que regime democrático é o nosso que, não apenas tolera inimigos da liberdade, como ainda os glorifica como campeões dos direitos humanos.

Eu respondo por mim: é uma farsa, miserável.

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