Editorial

Faz o que eu digo, não o que eu faço! 

Picture of Damião Cunha Velho

Damião Cunha Velho

Um dos atos políticos mais graves que veio a público recentemente passou, graças ao caso anedótico do deputado Miguel Arruda, quase despercebido a alguma comunicação social pouco independente e a todos os media que vivem ávidos de audiências. Trata-se dos engenhosos despedimentos das mães lactantes funcionárias do Bloco de Esquerda. 

O Bloco de Esquerda (BE) tem como bandeiras a defesa das mulheres, das minorias e dos mais desfavorecidos. Porém, quando precisou de fazer uma reestruturação no Partido por falta de recursos financeiros – devido à enorme descida nas votações nas últimas legislativas – fez exatamente aquilo que criticou nos outros, quando estes o fizeram ou tentaram fazer em igual situação. Despediu cinco mães que ainda estavam a amamentar os seus filhos, tendo uma delas um bebé de apenas dois meses. Duas destas trabalhadoras pertencentes aos quadros do Partido foram colocadas em contratos a prazo sem funções atribuídas, de forma a contornar a legislação laboral e, assim, mais tarde virem a ser mais facilmente despedidas.

O BE, que historicamente tem defendido medidas de proteção para grávidas, puérperas e lactantes, atacou, na hora do aperto, os mais fracos, quer pela sua condição de recém-mães, quer pelo facto de estarem numa posição hierarquicamente inferior dentro do Partido. Acresce que Portugal tem dois problemas estruturais graves: a natalidade e a demografia. Dois problemas que se interligam, reconhecidos por todas as forças partidárias incluindo o próprio BE, e sobre os quais impera tomar medidas no sentido de os resolver. E o que fez o BE? Penalizou quem, ao ser mãe, deu o seu contributo para os minorar.

Isto, para mim, é bem mais grave do que o caso Arruda. O que fez o deputado Miguel Arruda do Chega, ao furtar malas nos aeroportos de Lisboa e de Ponta Delgada, evidencia os níveis de exigência escandalosamente pouco criteriosos do Chega na seleção de quem deve representar os eleitores na Assembleia da República, o que, em si mesmo, é grave. No entanto, não passou de um ato levado a cabo por um indivíduo, sobre o qual o partido não tem controlo absoluto, e não um ato praticado por uma instituição como é o BE, liderado pela moralista Mariana Mortágua. Portanto, quando uma instituição mete na gaveta aquilo que é a sua missão e, a seguir, comete um crime, é a honorabilidade de toda a instituição que está em causa. Tratando-se de um partido político, as consequências ainda são piores, uma vez que esta incoerência enfraquece ainda mais a confiança na política e nas instituições que representam a democracia. 

Lamentavelmente, a comunicação social não deu o devido destaque a este caso, que merecia ser exposto e debatido da mesma forma que, seguramente, se faria, a toda a hora nas televisões, se estes despedimentos tivessem sido praticados por uma multinacional. O próprio BE seria o primeiro a aparecer à porta dessa mesma empresa, a esperar pelos seus dirigentes, e aí organizar uma grande manifestação em nome da ética laboral que ele próprio não teve!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Mais
editoriais

Junte-se a nós todas as semanas