Fé na Senhora da Peneda esbate diferenças de estrato e revela “consciência coletiva”

Santuário

A Peneda, de 31 de agosto a 8 de setembro, “dobrou-se”, outra vez, à fé secular. A afamada novena que dá nome à aldeia serrana e ao santuário mariano voltou a “chamar” milhares de crentes vindos dos dois lados da fronteira. Neste espaço sagrado, que é também paraíso ecológico, todos os romeiros, sem diferença de estrato social, cumprem o ritual agradecendo uma graça à Virgem ou fazendo promessas para redimir doenças e infortúnios.

“É a Senhora que traz esta multidão, a qual Lhe pede tudo”, disse ao MD o pároco César Maciel, no largo do terreiro a caminho do santuário. E, de facto, os devotos, de todas as classes sociais, fazem invariavelmente pedidos à Virgem e, em caso de cura de uma doença, por exemplo, estes fiéis, depois de “atendidos”, cumprem a promessa que haviam feito. “Vim cá agradecer um milagre cumprindo esta promessa [quatro voltas ao redor do templo, usando mortalha e ex-votos em cera], pois a Virgem da Peneda ‘atendeu’ ao meu pedido e curou uma dor que me surgiu há dois anos no estômago”, referiu António Sarramalho Vaz, de 69 anos, romeiro desde os dez anos, com apenas um (ano) de interregno (em 2014).  

O desemprego, que flagela os jovens do Minho e da Galiza, tem levado cada vez mais pais ao santuário, na esperança de “ver” a Virgem da Peneda a interceder pelos filhos. “Com muita fé na pequena imagem da Virgem, pedi-Lhe um trabalho para a minha filha”, soltou uma mãe, com sotaque castelhano. O santuário da Peneda é, também para os galegos, um templo cheio de espiritualidade, como se viu no passado domingo, 6 de setembro.

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Com o tempo soalheiro a ajudar, foram chegando, neste dia, depois do almoço, cada vez mais devotos, que lotaram o largo terreiro apontado ao santuário. De Cunhas (Soajo), veio Manuel Mateus, de 79 anos. “Como é hábito – vai para 50 anos – estou cá pelo misticismo do lugar, pela fé, pela festa e pelas paisagens”, explicou. Também o soajeiro Joaquim Neto, de 64 anos, voltou, este ano, pelo décimo ano consecutivo, a fazer a romagem, pelas mesmas razões.

Parte da multidão que se concentrou no recinto assistiu, primeiro, à eucaristia das 16.00, e depois, engrossou a procissão com rosário e oração de vésperas, um dos momentos mais aguardados da novena. A maioria, sem espaço no templo, aproveitou o compasso de espera para uma visita à Casa das Estampas, onde tinham ao dispor “amuletos” como terços, imagens da Virgem, loiça, livros… Tudo serve, afinal, para espalhar a fé.

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Depois, por volta das 17.10, o cortejo saiu do santuário e desceu o imponente escadório das virtudes até ao largo do pórtico – o escadório está ladeado, abaixo do largo do terreiro, por vinte capelinhas da via-sacra –, regressando ao templo meia hora depois. À frente, os voluntários seguram as bandeiras, logo atrás segue, como sempre, o andor da Virgem, “acolitado” por elementos do clero. E, a fechar, uma longa coluna de fiéis (“mais do que no ano passado”, segundo vários espetadores), em sepulcral voto de silêncio pela solenidade do momento, apenas interrompido pela oração. Também os que se deixam ficar ao longo do espaço sagrado esperam em silêncio a passagem do cortejo – é o respeito pela Virgem que leva alguns comerciantes a cobrirem os produtos suspendendo a atividade enquanto dura a procissão. Ao que parece, é um hábito que remonta ao tempo do padre Manuel Afonso, tese reforçada no livro Os santos esperam, mas não perdoam – Um estudo sobre a romaria da Peneda, do arcuense José Pinto.

De resto, para este estudioso, nos nove dias de romaria, as pessoas, “amarradas” à devoção pela Senhora da Peneda, confluem para uma “identidade comum”, de “indiferenciação social”, que revela uma “consciência coletiva”, “dissipando diferenças socioeconómicas”, isto porque “o espaço místico em volta do santuário não favorece as desigualdades sociais.”

Entretanto, com o cair da noite de domingo, foram-se juntando, espontaneamente, no largo do terreiro, em perfeita simbiose com as tradições populares, diversos grupos de tocadores de concertina, para um ruidoso arraial, animando milhares de festivaleiros que não arredaram pé até à alvorada de segunda-feira. Daqui a um ano (quase) todos estarão de regresso em honra e louvor à Virgem da Peneda.

 

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