Editorial

Felizmente aconteceu o 25 de Novembro de 1975. O de 2024 foi uma fantochada!

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Damião Cunha Velho

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Se não tem acontecido o 25 de Novembro de 1975 muito provavelmente hoje Portugal seria uma espécie de Cuba na Europa, um satélite soviético à beira-mar plantado sob o jugo putinista.

Depois do 25 de Abril de 1974, Portugal esteve perto de uma guerra civil. Havia quem, tendo feito Abril, quisesse substituir a ditadura salazarista por uma ditadura comunista e quem a tentou evitar, uns por meios lícitos, outros por atos absolutamente condenáveis. No Verão Quente, houve, de um lado, ocupação de terras, fábricas e meios de comunicação pela extrema-esquerda e de outro lado, sedes do PCP que foram queimadas pela extrema-direita, no seguimento da intentona que foi o 11 de Março. O 25 de Novembro de 1975 pôs cobro ao PREC, essa demanda comunista. Devemos a este dia histórico o facto de vivermos hoje em democracia, de não vivermos isolados ou na miséria, como acontece em Cuba, assim como os Açores continuarem a ser território português e não americano. Apesar de Novembro ter cumprido Abril, é no 25 de Abril que tudo muda verdadeiramente, em que a Liberdade começa com o fim do regime ditatorial de 41 anos de Salazar e Marcello Caetano. O 25 de Abril é por isso a data das datas.

Comemorar o 25 de Novembro, pelas razões que evoquei, faz todo o sentido. Fazê-lo nos mesmos moldes institucionais que o 25 de Abril, numa democracia tão imatura e sem o devido distanciamento histórico-político, tem só um pernicioso objetivo: anular a importância dada ao 25 de Abril.

Assim aconteceu este ano na Assembleia da República ao quererem pôr ambas as datas no mesmo patamar. Não é por acaso que isto está a acontecer agora, 49 anos depois. São vários os fatores que contribuíram para este desfecho. Primeiro, vivemos num momento em que a extrema-direita está a crescer exponencialmente no mundo e em Portugal com 40 deputados do Chega. Chega, cuja grande bandeira é a luta contra o socialismo, comumente e intencionalmente associado ao comunismo. Segundo, o CDS, parceiro de coligação do PSD neste Governo, que só ainda existe porque existe a AD, luta desesperadamente para aparecer. Daí querer colar-se, tal como o Chega, a uma data histórica para a qual nunca contribuiu, tentando mascarar desta forma o vazio em que se tornou. CDS, cujo líder, Nuno Melo, o ministro do “Tratado do Atlético Norte”, é um ato falhado. Terceiro, o PSD que supostamente representa a direita moderada, por estar condenado a atrair os eleitores do Chega, compactuou com esta celebração e cedeu às aventuras do Ventura, alguém que jamais dirá “25 de Abril Sempre”. E assim traiu Abril e os históricos do partido que fizeram e deram continuidade a Abril, nomeadamente Sá Carneiro. É que nem mesmo a Cavaco Silva, que teve maiorias absolutas, lhe passou isto pela cabeça. Por último, a mediocridade generalizada dos políticos nas duas últimas décadas.

Ou seja, para além dos interesses eleitoralistas, esta direita à direita do PSD, que nada tem a ver com os democratas-conservadores-moderados Freitas do Amaral e Adriano Moreira, tem necessidade de associar ao seu “curriculum” algo que não lhe pertenceu nem para o qual nunca lutou. Lembro que o 25 de Novembro foi feito por muitos que fizeram o 25 de Abril, como Eanes, Mário Soares e Salgueiro Maia. Enquanto a Esquerda fez Abril e a Esquerda moderada fez Novembro, esta Direita portuguesa não tem qualquer lugar digno nesta matéria da nossa história recente. Como é anticomunista, quer apropriar-se de uma data que simboliza o fim do comunismo em Portugal sem nunca ter no seu histórico qualquer elemento que nela tenha participado.

Comemorar o 25 de Novembro nestes moldes é alimentar ainda mais todos aqueles que nunca apreciaram a democracia e estão desejosos de impor ao sistema o seu sistema. No fundo, são saudosistas dos tempos da “outra senhora”, da repressão, da polícia política, que, segundo eles, é tudo o que Portugal precisa para entrar nos eixos, como o berra Pedro Pinto.

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É claro que tudo isto também só foi possível porque aqueles que fizeram Abril com os propósitos da Liberdade e da Democracia, nomeadamente os socialistas, nunca se terem insurgido de igual forma contra os criminosos que, ao fazerem Abril, deturparam Abril, como se insurgiram contra os criminosos que nunca quiseram a Revolução. Refiro-me ao grande mentor maoísta do 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho, líder das FP-25, e a Spínola, líder do movimento de extrema-direita MDLP. Ambos líderes terroristas, de grupos terroristas que mataram em atentados bombistas dezenas de inocentes no pós 25 de Abril. Por outro lado, não se percebe a insegurança do Partido Socialista em realçar a importância do 25 de Novembro. Não será negar o 25 de Novembro, negar também Mário Soares, ou mesmo o mais consensual dos revolucionários, Salgueiro Maia? E assim dar espaço a quem se apropria da data?

A incapacidade que os políticos têm em colocar-se do lado certo da história, ao não reconhecerem o que falhou dentro das suas casas ou casas politicamente próximas, tem descredibilizado a política. E iniciativas como esta, que mais não foi do que uma enorme fantochada, refletem o estado da arte da política e a fraca qualidade dos políticos atuais.

A continuarmos assim, nesta sonolenta mediocridade em que o “25 de Abril Sempre” não se diz com o coração, em que Abril é odiado por Novembro, não tarda a acordarmos novamente em ditadura!

2 comentários

  1. Bom texto, Cunha Velho! Mas não se apoquente. Ditaduras? Desde que não venham com armas-em-punho e transportadas pelo comunismo ou fascismo, o 25/Abril/Novembro, jamais serão apagados. (Artur Soares)

    1. As ditaduras agora não usam as armas tradicionais. Essas armas são tecnológicas, económicas e digitais. Veja-se como a China está a conquistar o mundo enquanto a Rússia e os EUA discutem o nuclear!

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