Editorial

Fica diritu, Guiné-Bissau!
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Nadir Faria

Nadir Faria

Cooperante 

Demorei algum tempo a escrever estas palavras porque elas não se organizavam para sair.

Despedi-me da Guiné-Bissau (quase) sem me despedir! Como é que se sai de um lugar onde se viveu tanto sem se despedir? Permitindo que o tempo nos escorregue por entre as mãos, atarefados a tentar terminar todas as atividades previstas no âmbito do trabalho, a arrumar a casa, as malas… Tanto para arrumar que fica desarrumado o coração!

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

Por outro lado, as despedidas custam-me! Havia guardado uma frase de Ondkaji em “Os meninos da minha rua” que me parece adequada: “Nas despedidas acontece isto: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças, não sabemos arrumar essas coisas dentro do nosso coração”. Havia a alegria de encerrar um ciclo, havia a alegria de me estar a preparar para um novo. Havia (há) muita ternura pelas pessoas que me fizeram bem (fazem bem) na Guiné-Bissau. Havia o querer partir sem as querer deixar…

No aeroporto, na sala de embarque, notei uma senhora mais velha, já preparada para o frio, com um ar amistoso mas meio perdido. Tinha um vestido de padrão tipicamente africano sobre umas calças e por baixo de um caso de inverno. Tinha um gorro na cabeça. Andava na sala de um lado para o outro. O voo foi de madrugada. Por isso, e dada a dificuldade de transporte em Bissau, a maioria de nós foi para o aeroporto muito cedo. Estivemos muito tempo naquela sala, que estava cada vez mais gelada! Alguém resolvera colocar o ar condicionado numa temperatura semelhante à europeia.

Já no avião, apoiei a senhora a encontrar o lugar dela. Fizemos escala em Casablanca. Lá, notei-a, de novo, meio perdida. Hesitei se voltava a falar-lhe. Havia tantos guineenses que imaginei que algum a notaria e que teria um crioulo melhor que o meu. Havia várias filas para passarmos o controlo. Vi-a ser encaminhada para uma delas. Eu estava noutra. Depois de passar o controlo, voltei a vê-la. Estávamos numa zona onde tínhamos de voltar a mostrar o passaporte e o cartão de embarque. Estavam a tentar falar com ela mas não se faziam entender. Desta vez, ofereci-me para tentar traduzir. A senhora não falava outra língua além de crioulo. Explicaram-me que não tinha a documentação correta e não deveria ter embarcado em Bissau. Se chegasse à Europa sem todos os documentos iria ser retida no aeroporto. A senhora dizia que ia para um destino e tinha um cartão de embarque para outro.

Propuseram-lhe regressar a Bissau. Assegurariam o regresso, logo após o registo da ocorrência junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Ela anuiu. Disse-me que estava cansada, que tinha uma dor numa perna e que não comia desde manhã. Era de manhã. Eu tinha bolachas, sono e muito cansaço também. Dei-lhe as bolachas e disse-lhe para ir com o “senhor do aeroporto”. Ele saberia encaminhá-la de volta para Bissau. Fiquei com um aperto! Como é que se “permite” que haja pessoas que viajem sozinhas nestas condições? Como a deixaram embarcar?

Na altura, estava a decorrer a campanha eleitoral para a segunda volta das eleições presidenciais. Os períodos de campanha não me agradam. Aumenta o ruído, aumenta o lixo, aumentam as promessas. Não me pronuncio sobre os candidatos. Mas desejo que chegue o dia em que os guineenses tenham um líder que oriente o país no sentido de haver melhor educação, melhores cuidados de saúde, melhores estradas, melhores transportes… tudo melhor!

Isso tranquilizar-me-á na distância.

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