Editorial

FOMES INTERMINÁVEIS E “NHÉ, NHÉ, NHÉ, NHÉ, NHÉ… PARA ESTE VÍRUS!
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Nadir Faria

Nadir Faria

Cooperante 

– Nadir, posso comer, pelo menos, uma bolacha?

– Nadir, o que é que vamos lanchar?

GOSTA DESTE CONTEÚDO?

– Nadir, já podemos pôr a mesa para o lanche?

Estas perguntas são repetidas até ouvirem o sim esperado e adaptadas e repetidas a cada refeição do dia! A meio das refeições, normalmente, ouve-se outra pergunta: “bom pitéu”?

São três as crianças de “fomes intermináveis”[1]. Uma é residente. Duas chegaram há quarenta e cinco dias. Antes destes quarenta e cinco dias tínhamo-nos cruzado uma ou duas vezes. Nem sabiam o meu nome – afinal, sou o membro da família mais recente! Mas conheciam bem os cantos à casa e sabiam onde iam ficar e com quem. Chegaram bem-dispostas e a cantar determinadamente a música de sensibilização para prevenção do Covid-19 que tem passado na televisão: “Sem abraço, sem beijinho, sem aperto de mão. Não é desprezo, é apenas proteção”! Os pais, ambos enfermeiros, já lhes haviam passado todas as recomendações e ensinado a lavar as mãos da forma adequada. Deixaram-nas a seguir ao almoço com mais recomendações: as relacionadas com o que deve ser um bom comportamento, acrescidas às relacionadas com o que deve ser um bom comportamento em período de isolamento. Esvaziámos uma gaveta para cada uma das crianças colocar a respetiva roupa e o resto do dia decorreu dentro da normalidade esperada!

Seguindo as recomendações gerais, estabeleceram-se algumas rotinas – com marco especial para a hora de estudo!

Com não sei qual poder, quase sempre são as crianças que acordam primeiro. Quase sempre percebo que já acordaram porque escuto do quarto um nhé, nhé, nhé, nhé, nhé… – irritante, muito irritante aos meus ouvidos sensíveis, que faz parte do genérico de um canal de desenhos animados qualquer.

Depois do nhé, nhé, nhé, nhé, nhé…, de confirmarem o que vai ser o pequeno-almoço e de o tomarem, segue-se a hora de estudo.

A hora de estudo torna-se confusa pois juntam-se a criança do pré-escolar, a do quarto ano e a do sétimo. Coincidentemente, costumam ter dúvidas ao mesmo tempo! Enquanto na minha cabeça saltam matérias como bolas de pingue-pongue (de anos e disciplinas diferentes), as dúvidas são colocadas e antecedidas do meu nome! Nunca o tinha ouvido tantas vezes! Às vezes, é até cantado: Na, Na, Na, Na, Nadiiiiir”

Além da hora para estudo, há horas para muitas outras atividades. Às vezes, são mais ligadas às expressões plásticas; outras vezes, à doçaria; outras vezes, à educação física… Apesar de serem várias, não são nunca suficientes para diminuírem o aborrecimento de se estar sem poder sair de casa ou para diminuírem as saudades dos pais das crianças não residentes.

O número de casos identificados na Ilha de Santiago tem crescido, em vez de decrescido, ao longo do período de emergência! O Governo já prolongou uma vez o período de emergência e saberemos muito em breve se o fará de novo ou não! Espero que não. Estamos todos a precisar de ar!

Nhé, nhé, nhé, nhé, nhé… para este vírus!

[1] Já mencionadas na crónica “Poemas e janelas fechadas!”, de 3 de abril  https://www.minhodigital.com/news/poemas-e-janelas-fechadas

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