Vitor Bandeira
(Inspector-Chefe aposentado da Polícia Judiciária)
Já tínhamos a nossa coluna pensada e estruturada, quando fomos surpreendidos por um debate televisivo no qual interveio o presidente de um Clube Lisboeta.
Assistimos incrédulos ao debate televisivo que, contrariamente ao que esperávamos, não foi enriquecedor para o Futebol, antes pelo contrário, foi mais uma machada no seu crédito como desporto rei.
Ficámos surpreendidos como o Presidente de um Clube denominado “Grande”, se presta àquele papel de comentador clubístico, sem classe, a rondar no mínimo o incorrecto, numa estação de televisão que nós temos como credível e independente.
GOSTA DESTE CONTEÚDO?
- Não se esqueça de subscrever a nossa newsletter!
O seu comportamento, em nosso entender, não foi só grosseiro para com o Clube que atacou, utilizando argumentos que posteriormente veio a desmentir ou a atenuar, como também não foi respeitador do pivô do programa que, apesar das suas várias tentativas de acomodar as situações criadas, foi incapaz de o fazer.
Incendiário é como que podemos classificar a sua actuação.
Quis o Sr Presidente desse clube trazer à liça a dádiva de uma caixa, na qual dizia conter além de lembranças também voucher de alimentação, caixas essas, que seriam distribuídas nos estádios do outro clube, aos árbitros e outros intervenientes federativos e da Liga de Clubes, após a realização dos jogos ali disputados.
Dizia o dito Sr Presidente que se estaria na presença de corrupção.
Dada a repercussão das palavras do dito Sr Presidente, logo todos os Órgãos e Organismos com poder jurisdicional sobre o Futebol abriram Inquéritos e o Ministério Público também confirmou a abertura de uma investigação às declarações prestadas.
Mas será que vamos só investigar este episódio ou se aproveita e investiga a sério o futebol, a exemplo da “limpeza” efectuada ao nível do futebol internacional?
Haverá coragem para o fazer? Haverá meios à disposição da Justiça para investigar o mundo do Futebol?
Maria José Morgado, Procuradora-Geral Adjunta, afirmava haver “muito dinheiro sujo no futebol” em entrevista à Radio Renascença na altura em que decorria o Mundial no Brasil, acrescentando que as críticas que surgiram aos gastos com aquele evento em detrimento das áreas sociais, estavam a ser contestadas nas ruas e que estavam a dar uma lição ao mundo e aos portugueses contra os gastos sumptuosos no futebol.
A este propósito lembramos o desperdício de dinheiro gasto em Portugal em Estádios que agora estão vazios e com perspectiva de serem demolidos.
PUBRecordamos que à época, Braga tinha um Hospital antigo a rebentar pelas costuras, mas em vez de se construir um novo, construiu-se um … Estádio! O velhinho ‘1º de Maio’ que com uns arranjos se modernizava e servia para o cumprimento dos dois ou três jogos efectuados, foi substituído pelo novo Estádio da Pedreira, cujos custos ainda hoje pesam no orçamento municipal.
Maria José Morgado, considerava ainda naquela entrevista que ninguém pode dizer que o fenómeno da corrupção está sob controlo, perguntando «quem controla esse dinheiro», e acrescenta «anda muito dinheiro a circular pelo Mundo, proveniente das actividades criminosos altamente rentáveis, tráfico de estupefacientes, de pessoas, cibercrime etc…» E termina dizendo «não estou a dizer que toda a gente está metida, estou a falar de patologias. É preciso mecanismos para os combater, controlar, prevenir e reprimir, em última instância».
É perante estas perspectivas e pelas várias tentativas anteriores (Apito Dourado e Toto Negócio) que é meu convencimento que não. Sobre este último processo, esta Magistrada chegou a afirmar que o Estado se tinha ajoelhado perante o futebol.
Mas a influência do futebol, não se fica por estes mundos criminosos, também tem influência na própria nomeação de Directores de Órgãos de Policia Criminal. Lembramos que um Sr Director de um desses Órgãos, depois de ter o assentimento do Conselho Jurisdicional da sua Magistratura, viu a sua nomeação contestada devido às suas ligações, nada pacíficas, ao mundo do futebol.
A promiscuidade entre o futebol, a Justiça e a Politica, com Magistrados e Políticos a candidatarem-se a cargos de Órgãos decisórios ou de gestão, é no mínimo uma combinação estranha e nada pacífica do ponto de vista ético.
Mas não julguemos que este fenómeno é de hoje, o mesmo já ocorria na década de 80, e vejam-se as declarações de Sven-Goran Erikson em 2014 quando do lançamento da sua biografia, disse que «encontrou um futebol português mais sujo e corrupto», referindo-se à sua segunda passagem como treinador de um clube português. Afirmava ainda, após contar alguns episódios nada dignificantes para o futebol, um em que foi interveniente, em que o Presidente de um grande clube do Norte lhe afirmou, após um clássico em que a equipa visitante (treinada por Erikson) foi vítima de uma dessas baixezas, aquele Sr Presidente ainda hoje no activo: « Respeito-o muito Sr Erikson , mas guerra é guerra».
Já nessa época um jogo de futebol era uma guerra, só que os inimigos encontravam-se a centenas de quilómetros um do outro e dessa forma o perigo de confronto estava minimizado. No presente e dadas as declarações incendiárias de alguns dirigentes, a situação está no que qualificamos de perigo eminente de confronto, apenas separando os contendores a distância de uma Circular. Note-se que daqui a pouco mais de uma semana há um confronto entre os clubes em questão, sendo que os ânimos a continuarem neste nível será de difícil previsão nas suas consequências.
Estamos convictos que durante o lapso de tempo que falta para a realização deste derby, tudo acalme, serenem os ânimos e haja o bom senso por parte dos dirigentes desportivos de tudo fazerem para que isso ocorra.
Também certamente as forças de segurança que sabemos acompanharem este fenómeno com muito rigor e profissionalismo, saberão responder com autoridade, serenidade e civismo às tentativas de destabilização e provocação que certamente vão ocorrer.
Perguntarão os nossos leitores: e afinal quanto à caixa? Aguardemos pelo desenrolar dos acontecimentos, mas legalmente não há corrupção nem nada de parecido e o dito Sr Presidente já o afirmou em entrevista ao Expresso.
Como dizia Pinheiro de Azevedo, «É só fumaça o povo está sereno».
Será que isto se aplica ao momento político actual? Tal como no futebol, todos querem o poleiro para poderem cantar de galo!