Fernando Alonso é o Secretário-geral da Fundação Galega Contra o Narcotáfico (FGCN), sediada em Vilagarcia, nas Rias Baixas na Galiza, que tem tido um papel relevante na luta e denúncia contra as máfias ao mais alto nível.
Fernando Alonso
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O MINHO DIGITAL (MD) foi entrevistá-lo na perspectiva de se fazer uma actualização deste fenómeno que não distingue fronteiras e que, até por razões históricas do tempo do contrabando, tem ramificações ao Alto Minho que continua a ser cenário de movimentações e investimentos nesta região, beneficiando da falta ou insuficiente legislação repressiva, como o dirigente destaca.
Minho Digital (MD) – Há quantos anos esta à frente da Federação?
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FA – Tenho a honra de trabalhar como gerente da Fundación Galega contra o Narcotráfico graças à confiança e apoio da Direção, com o seu presidente Manuel Couceiro à cabeça.
MD – O que o motivou a aderir? Houve alguma razão especial?
PUBFA – Devido à sua evolução, crescimento e dinâmica, chegou-se à conclusão da necessidade de profissionalizar a sua gestão e direcção. Eu senti-me motivado e consciencializado para este projecto atractivo, com pessoas muito comprometidas, mas também pela possibilidade de dar o meu contributo numa causa social da máxima importância e com a qual me identifico completamente.
MD – Acredita, sinceramente, que as populações galegas, mais propriamente nas Rias Baixas, estão sensibilizadas e empenhadas na luta contra o narcotráfico?
FA – Sem dúvida! A sociedade galega, numa esmagadora maioria, rejeita totalmente o narcotráfico e a prova disso é que a sua mobilização esteve na origem da criação de importantes importantes movimentos e associações já na década dos anos de 90 que motivaram, entre outros, a criação da Plataforma Galega contra o Narcotráfico que posteriormente se converteu na actual Fundação. Por isso, hoje ninguém fica indiferente, no sentido positivo desta luta, contra aqueles que se tornaram delinquentes que traficam na mais absoluta clandestinidade e sem apoio dos cidadãos. Dito isto, no entanto, é certo que ainda falta por fazer muito trabalho. Até porque em determinados círculos e ambientes todavia justificam este delito que, como é sabido, tem um poder corruptor e captador enorme. Tem que se continuar a trabalhar para explicar que o dinheiro da droga, longe de resolver algo de mais profundo, destrói a economia local. Isto porque continua a existir a figura do pequeno traficante que ganha dinheiro e conduz carros desportivos, sem estudar e trabalhar, à custas de vender esse veneno, factores que na tentação de conseguir dinheiro fácil na que podem cair alguns jovens, mas que pode arruinar muitas vidas. Temos de continuar a sensibilizar a sociedade para evitar que estes criminosos não tenham a compreensão e apoio social.
PUBMD – Qual é, para si, a ligação dos galegos com os portugueses envolvidos no tema do narcotráfico?
FA – Estreitos vínculos unem galegos e portugueses desde há muito tempo. Primeiro com o contrabando, e agora com o tráfico de droga, bem como no branqueamento de capitais e investimentos de narcotraficantes galegos em Portugal, com especial incidência no Minho. Isso acontece e preocupa-nos muito agora, por exemplo, na próspera indústria de fabricação de narcolanchas, especialmente desde que em Espanha se ilegalizou a sua posse e fabricação em 2018. Infeliz e desgraçadamente há muitas empresas de sociedade mistas com capitais galegos e portugueses metidas no negócio do narcotráfico e na fabricação desses monstros voadores para transportar a cocaína no Atlântico e também para abastecer de haxixe o sul de Espanha.
Neste sentido, aguardamos com impaciência e redobrada preocupação a boa notícia de que o vosso país decrete igual ilegalização o que seria óptimo para todos. Desejamos que se agilize rapidamente e se dê esse ‘salto’ para decisões que tanto beneficiariam este combate que não é só pela saúde, mas também pela transparência que pessoas de bem ambicionam.
Eu destacaria três frentes especialmente importantes no tráfico de drogas: o sul fronteiriço com Espanha para a chegada de carregamentos de haxixe e entrega de narcolanchas, os aeroportos de Lisboa e Porto e o porto de Leixões por onde entra grande parte da cocaína em Portugal. Neste momento faz-se uma coisa muito relevante, eu diria que imprescindível, a excelente colaboração que mantêm as forças policiais de ambos os países e que têm de continuar a trabalhar, agilizar, estreitar e melhorar a recíproca troca e atempada de informações.
MD – Há uns anos uma reportagem na TV-Galiza entrevistou várias crianças que, à pergunta do que queriam ser quando fossem maiores, estas responderam de imediato «contrabandistas porque dá muito dinheiro». Estes eram os seus heróis, as suas referências. Acredita que numas novas entrevistas as respostas seriam idênticas?
FA – Hoje, afortunadamente, a resposta é outra. Os narcos já não são heróis nem Robin Hoods, aliás nunca foram e agora muito menos; são criminosos que ganham dinheiro à custa do sofrimento de milhares de pessoas e famílias. A sociedade assim os considera. Mas há que ter muito cuidado porque esta percepção pode mudar, já vemos o que se está a passar noutros lugares e que se pode passar connosco se não continuarmos a insistir na sensibilização e consciencialização social. E faço aqui uma reflexão sobre a importância dos meios de comunicação que, como em tantas outras causas, jogam um papel muito relevante ao ajudar no trabalho de sensibilizador. Precisamente o contrário do que fazem em alguns filmes ou séries de televisão nas que o narco, o filho querido e o herói do relato, entronizam a figura do capo, quando realmente é um miserável. Isso é o caldo de cultivo perfeito para que em determinados ambientes os novos jovens queiram parecer-se ao herói e queiram ser traficantes. Há que ter muito cuidado nos guiões para não fomentar a cultura do delito e o culto à figura destes miseráveis. Já basta vermos o que se passa em algumas sociedades onde o narco é uma figura de referência e veneração.
MD – Sabemos que a Fundação Galega contra o Narcotráfico todos os anos homenageia alguma personalidade ou instituição que se tenha destacado na luta contra o narcotráfico? Sabemos que houve um português, aliás o único que foi escolhido. Quer comentar?
FA – Certo! A fundação teve a honra de reconhecer o excelente trabalho de José Luís Manso Preto na investigação e no relato das conexões galego-portuguesas no contrabando e posteriormente no tráfico de drogas, conexões estas que hoje seguem mais vivas que nunca como já disse. Manso Preto foi o primeiro jornalista na investigação deste fenómeno delitivo que evidenciou a conexão em ambas as regiões transfronteiriças. E não somente investigou como provou com documentos, fotos e depoimentos, como também denunciou e publicou em ambos os países em reportagens televisivas, jornais e num livro, para que toda a gente soubesse o que se estava a acontecer. A Fundação teve a honra de reconhecer um excelente trabalho jornalístico e também – e não menos importante – a valentia de publicar, colocando nomes e imagens de muitos traficantes. Pela qualidade dos galardoados deste Prémio – Nécora de Ouro – nós sempre dizemos na FGCN que estes prémios prestigiam mais a quem os entrega. Este foi um dos casos!
MD – Ainda existe uma espécie de ‘pacto de silêncio’ entre os barões da droga e políticos galegos? Como se pôde chegar a esse ponto?
FA – Hoje isso já acontece! É certo que houve um tempo em que os traficantes e política estiveram muito pertos. Uma vergonha que só pode ser explicada, mas nunca justificada, sabendo que muitos deles, em princípio, viam no contrabando de tabaco – que era uma actividade com pouca reprovação social – um mal menor. Os contrabandistas, pelo seu lado, procuravam o reconhecimento social até com a compra de clubes de futebol, logo influenciando políticos, partidos e instituições. A realidade nos dias que correm é diferente, pois a sociedade, as polícias e a Justiça tiraram-lhes a máscara e aqueles marginais ficaram no que hoje são, criminosos vendedores de veneno completamente marginalizados.
MD – Afinal, qual o papel dos portugueses nestas mafias?
FA – Colaboração total em todos os conluios e em todas as actividades e com um protagonismo crescente. Além desta estreita colaboração luso-espanhola, há organizações lusas com capacidade para financiar directamente e transportar carregamentos de toneladas e toneladas de haxixe e cocaína. O narcotráfico tornou-se num negócio cada vez mais global e que envolve criminosos de vários continentes geográficos. No entanto, até pela proximidade e razões históricas, culturais e sociais, a conexão entre os nossos países, concretamente nas nossas regiões, leva anos e está especialmente presente, como disse, no narcotráfico, logística, fabricação de embarcações e lavagem de dinheiro, habitual em membros da máfia italiana e nos representantes de cartéis sul-americanos da cocaína em território português.

MD – Como sabe, saiu a 6ª edição do livro ‘Minho Connection’ escrito pelo jornalista português Manso Preto? Atendendo a que foi o primeiro livro a abordar este tema em ambas as margens dos dois países, acha que esse trabalho teve impacto no seio das mafias, na sociedade e meios políticos locais já que evidencia essas ligações muito perigosas?
FA – O livro e o autor tiveram e têm o mérito – ainda hoje – de destapar uma realidade que poucos conheciam em profundidade e muito poucos só supunham! As repercussões, destacaria principalmente, são duas: a primeira, dizer naquele tempo a corruptos e delinquentes que a partir dali estavam destapados, denunciados e que terminara a obscuridade que até ali beneficiaram os seus delitos. Manso Preto iluminou tudo, conseguindo destapar personagens, tramas e ligações. Suponho que alguns, na sequência disso, viram desvendados os seus segredos, delitos e outros negócios turvos. A segunda contribuição foi abrir os olhos aos cidadãos, contribuindo à necessária e imprescindível consciencialização social, que todos soubéssemos o que estava a acontecer, mostrando-nos o sórdido mundo de delinquência e corrupção do contrabando e narcotráfico ao mais alto nível!
Submarinos apreendidos na Galiza
MD – Como é vista a falta de legislação em Portugal contra as zodiacas que substituíram as antigas lanchas voadoras?
FA – Portugal é um paraíso para o fabrico de narcolanchas! Necessita de uma legislação, imprescindível e urgente que daqui desde a Galiza apelamos a que seja urgente colocá-la em decreto. Essa ausência está a dar demasiadas facilidades às redes criminosas. Se ainda se fabricam clandestinamente algumas em Espanha, apesar da proibição, imagine-se a ‘explosão’ comercial dado que são legais em Portugal!… Os estaleiros do Rio Minho e Lima, além de outros sob o foco impotente e desmotivante das autoridades, transformaram-se numa referência para as redes criminosas já não só a nível ibérico, mas também europeu.
MD – Já houve dois submarinos detectados e apreendidos na Galiza com enormes quantidades de cocaína. Acha que é um modus operandi que revela uma nova estratégia?
FA – Os submarinos levam tempo a chegar, ainda que foram detectados recentemente. Estamos perante outro problema altamente preocupante, eu diria que alarmante, porque cada dia que passa nós temos mais evidências de que numerosos submarinos chegaram e chegam às nossas costas – e quando digo ‘nossas’, falo das costas de Portugal e Galiza. Pelas informações que recolhemos e outras que nos chegam, continuam a aparecer! É um meio mais, com a agravante de que nos dias de hoje não há meios tecnológicos para os detectar!
A segurança de todos está em risco num preocupante momento em que estamos a sofrer uma autêntica avalanche de drogas, com recordes de tráfico e apreensões, especialmente por via marítima e com as narcolanchas como um dos meios favoritos para introduzir haxixe e cocaína em Portugal e Espanha. Nunca é demais interrogarmo-nos sobre que gerações queremos nós criar e qual o legado que vamos deixar às vindouras!
1 comentário
Rico sem ter de seu
Joaquim Letria
Explicite o sr. Joaquim Letria que eram a própria banca que incentivava a comprar ações com o dinheiro de outro Banco. Quem tinha nome e algum bem podia lançar-se nessas aventuras. Deu errado. Tal como a C.G.D. perdeu milhões na raia espanhola, por causa de imparidades e falta de perícia, quanto “algum louco” lhes abriu os olhos e lhes disse que havia muito dinheiro de emigrantes em terras de Monção ( 90 milhões de contos), etc…
Em relação às lanchas….não sei se a sua manutenção e fabricação em Portugal é um isco para P.J. justificar o seu trabalho, mas que, ao longo tempo, em nada estão interessados certos elementos é uma tese que bem cabeluda!…
Saudações