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Governante difundiu nos Arcos mensagem de alunos nacionais: “Professores, reinventem-se!”

A escola está numa encruzilhada. No fecho do Ciclo de Conferências “Pais e professores à beira de um ataque de nervos”, do CENFIPE, com a Casa das Artes lotada no dia 27 de maio, sobrou a conclusão de que há um “desencontro” entre a escola atual e os novos desafios que o mundo lhe coloca.

O secretário de Estado da Educação lançou à discussão os problemas/desafios que “estão a pôr toda a gente à beira de um ataque de nervos”. São desafios “bastante difíceis”, alguns dos quais tiveram origem na democratização do ensino – “ao abrirmos a escola a todos, e ainda bem que o fizemos, trouxemos para dentro da escola problemas que antes não chegavam a estar lá, porque os alunos eram excluídos à partida”, disse João Costa. Esta escola democrática, plural e universal, acrescentou o professor Jorge Rio Cardoso, tornou-se uma “escola objetiva, muito à base da nota, ‘tu passas ou não passas’, quase reduzida à grelha de avaliação”, e gerou desafios, até ver, difíceis de vencer.

Algumas das áreas em que “não podemos estar tranquilos”, segundo o governante, dizem respeito ao “abandono escolar precoce”, ao “insucesso escolar” e ao processo de ensino vigente. O que acontece, hoje como ontem, é que “o professor despeja, o aluno memoriza para o dia de teste e, depois, esquece. Os alunos estão nesta rotina e não saem disto”, assim descreve João Costa a prática dominante.

Mas eles são a razão de ser da escola e nos debates travados entre alunos e tutela sobre aquilo que o sistema está a induzir sobressai uma ideia. “Ouvir os alunos do secundário dizer que as duas perguntas que eles mais fazem na escola são ‘sai no teste?’ e “posso ir à casa de banho?’, isto quando queremos uma escola potenciadora de curiosidade intelectual, a conclusão que se tira é que são os próprios alunos que nos estão a dizer: ‘Professores, reinventem-se!’”, atirou o secretário de Estado.

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Para João Costa, “a reinvenção é o desafio primordial que temos de abraçar, não é nada fácil, e convoca-nos para muito diálogo, para não nos fecharmos nas nossas salas de aula e para conhecermos e experimentarmos as práticas uns dos outros”. Numa achega, a médica Helena Canhão notou que “o ambiente em sala de aula mudou, mas o processo pouco mudou”.

No atual contexto, em que se procura alcançar um equilíbrio difícil de gerir entre mudança e estabilidade, o “léxico” que desafia o sistema inclui conceitos como “justiça”, “finalidade”, “flexibilidade”, “inclusão”, “comprometimento”, “inovação” e “formação relevante”, isto no dizer de João Costa, Jorge Rio Cardoso e Helena Canhão.

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Talvez por ir contra a corrente, o grande animador do primeiro painel, moderado por Ana Guedes (Porto Canal), foi o diretor do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, que difundiu por todos uma experiência “muito diferente”. É uma escola onde não há retenções nem testes (nem toques de campainha nem TPC). A população é de 3 mil alunos, dos quais mil subsidiados, setecentos com Necessidades Educativas Especiais e quinhentos estrangeiros de 35 nacionalidades. “Definimos, em 2003, como grandes pilares, a relação pedagógica, a autonomia dos alunos e a negociação”, explicou Adelino Calado, que, logo, estabeleceu “a utilização do telemóvel em sala de aula como um instrumento de trabalho”.

Na conferência da tarde, superiormente conduzida pela jornalista Fátima Araújo (RTP), refletiu-se sobre as relações entre a escola, a família, os sonhos, a criatividade e o sucesso, no pressuposto de que este é (ou pode ser) uma consequência da aprendizagem, da evolução (positiva) ou da construção de algo.

Partindo do princípio de que “a verdadeira escola está lá fora”, a professora e gestora de inovação da Sonae, Marta Cunha, fez a apologia da “versatilidade”, do “risco” e da “diversidade de experiências” para derrotar a resignação, o medo e uma certa mentalidade instalada, tanto no mundo laboral como na escola. Aquela que foi a melhor aluna de MBA (2014) recomendou como senha de sucesso um princípio norteador: “focaliza-te nas coisas em que és realmente bom (boa) e, deste modo, podes fazer a diferença, ser lembrado(a) e deixar uma marca”.

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Já a diretora de informação do Sapo 24, Rute Sousa Vasco, partilhou com a plateia o percurso de vida dos diretores executivos Ana Paula Moutela (Zara Portugal), Luís Reis (Sonae) e Carlos Barros (Fujitsum Portugal), trio (de 23 CEO) que ela retrata no livro A sorte dá muito trabalho, do qual é coautora. “Subiram a pulso na carreira por via do mérito e das suas qualidades […] e são preciosos ativos que estão onde estão sem cunhas nem partidos políticos a empurrar”, elogiou a jornalista, que exortou as empresas a fazerem “retenção de talentos”.

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O professor Carlos Neto abordou soluções no contexto familiar, escolar e comunitário para as crianças brincarem e serem ativas na infância. Segundo este académico, o brincar é “fundamental para o desenvolvimento das crianças” e “cada professor deve ter uma criança dentro dele”.

O problema “é que a coisa mais elementar e mais simples na natureza humana – que é saber brincar – anda esquecida”. Isto significa que as crianças não estão a brincar o suficiente (“cerca de 70% das crianças portuguesas brincam menos de uma hora por dia”) para poderem ser criativas, terem capacidade de adaptação e terem sucesso na escola e enquanto pessoas.

Inversamente, a norma da escola é: “matricula-se o corpo na escola, aparafusa-se o corpo da cabeça à cadeira, estando as crianças, quietas e sentadas, a ouvir, na maioria dos casos, professores velhos, cansados e chatos”, caricaturou Carlos Neto. Por isso, como resultado destes distúrbios, o que temos, atualmente, são “crianças demasiadamente imaturas e demasiadamente totós”, seres “muito frágeis”, porque lidam com um tempo “demasiadamente regulamentado, formatado, organizado e estúpido”.

Para acabar com estas distorções, a curto prazo, “vai sair uma circular para os municípios e para as direções dos agrupamentos a comunicar que as AEC [atividades de enriquecimento curricular] têm de ser tempo de brincadeira e não mais horas de aulas”, anunciou João Costa.

 

O paradoxo da escola

Por palavras diferentes, os conferencistas deixaram a mesma mensagem: a escola não está a avaliar aquilo que a sociedade quer que sejam as competências a que os alunos cheguem. Existe, portanto, uma discrepância entre aprendizagens essenciais e a maneira como é feita a avaliação.

Todos concordam que o núcleo duro de aprendizagens abrange a capacidade de desenvolver pensamento crítico, a capacidade de fazer exposições, a criatividade e a aptidão para as relações interpessoais, sendo preciso integrar tudo isso, mas, depois, a escola só avalia os alunos com base em dois testes por período – “e não está escrito em lado nenhum que se tem de fazer dois testes por turma”, vincou João Costa.

 

“Tirem-nos os papéis”

Da plateia, a professora Artemisa Coimbra, do Agrupamento de Gondomar, fez um pedido público com destinatário certo. “Deixem-nos trabalhar, tirem-nos os papéis e os serviços que não interessam”, exortou.

Na resposta, João Costa admitiu que “a burocracia dos diretores é um terror e é um dos nossos cancros, mas, noutra dimensão, acrescentou que “muita burocracia do professor é produzida pela própria escola”.

 

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