GRANDE REPORTAGEM: A safra da lampreia já não é o que era e pescadores indignados com ‘comércio negro’

Lampreias
  • No tempo dos nossos avós a época da lampreia, assim como do meixão, era a garantia de um Verão algo mais desafogado. Sim, porque era com a apanha deste ciclóstomo que o pescador garantia o seu quinhão para poder colocar o pão em cima da mesa e garantir o seu ‘pé de meia’.

Reportagem: Carla Vieira e Isabel Varela

Viviam-se tempos de enorme procura da lampreia, sendo que muitos vinham de fora para se deliciar com esta iguaria, fosse qual fosse o seu preço. Até o próprio pescador via o seu trabalho recompensado, mas nos dias de hoje pouco ou nada se ganha. Actualmente, e talvez quando esta edição esteja online, o preço da lampreia poderá ter modificado já que, no momento em que preparamos esta reportagem ele anda pelos 5 euros. Para o pescador isso é motivo de desagrado e até desmotivação, já que após os descontos e o gasto da gasolina pouco ou nada sobra.

Mas esta é uma situação que tem vindo a verificar-se há poucos anos, e segundo nos explica Augusto Porto, presidente da Associação dos Profissionais de Pesca do Mar e rio Minho, tal é «devido à falta de concorrência entre os compradores, onde estes esmagam o preço para liderarem o mercado nacional entre os revendedores, mas mantendo sempre a sua margem de lucro, ou seja, o pescador é que ‘paga’ nesta guerra de poderes económicos».

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Este dirigente e pescador vai mais longe ao assegurar que se vive «um período negro, em que este negócio está a ser esmagado É uma situação que põe em causa a sustentabilidade da classe piscatória, ou seja, é o maior problema actual na pesca da lampreia e não é admissível visto que esta, sendo do Minho, é uma referência a nível nacional e é a mesma que contribui para preencher a maior cota de mercado».

Como proteger a classe piscatória e o seu trabalho é uma luta que persiste no tempo e Augusto Porto assim o confirma ao referir que «há muito a fazer para mudar o futuro da lampreia do Minho, a que não são alheias situações de grande sensibilidade política e económica, embora profissionalizar a pesca seria fundamental, bem como a certificação da lampreia».

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A certificação da lampreia do rio Minho já é alvo de movimentações que resistem ao tempo. Talvez agora com a pretensão da candidatura do estuário do rio Minho a património da UNESCO se juntem os interesses e, finalmente, se ouça o que a classe piscatória vai reivindicando, mas sem ser atendida.

A realidade é que muitas vezes se come – logo é vendida – lampreia francesa como sendo do rio Minho. Muitos também justificam como sendo esta uma das razões para que a compra ao pescador seja a preço tão reduzido.

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Este ano a safra iniciou-se de forma promissora, no entanto, e segundo nos explica Augusto Porto «devido às condições climatéricas as capturas tem sido escassas».

O ‘comércio negro’

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Por esta época do ano o movimento no rio Minho, entre Melgaço e a foz, em Caminha, intensifica-se com a safra da lampreia. O ciclóstomo é uma especialidade muito procurada pelos apreciadores e pelos comerciantes da restauração. Até aqui tudo bem, a lampreia do rio Minho está de boa saúde e recomenda-se. Os problemas começam quando o valor atinge em Fevereiro os 10 euros pelas unidades maiores e uns parcos cinco euros as unidades mais pequenas, isto na compra ao pescador. O caso muda de figura  quando se trata da revenda ou da degustação do prato nos restaurantes, aí o preço praticamente triplica. “Isto é uma vergonha, o pescador que investe em redes, que trabalha debaixo de chuva e frio e tem de pagar impostos sobre o que pesca, ganha uns míseros 10 euros por unidade, no máximo, enquanto os revendedores ganham quanto querem”, afirma indignado um outro pescadores que aceitou falar com o nosso jornal.

“Anda por aí muita lampreia que vem de França e que depois é vendida como se fosse do rio Minho, andam a enganar o consumidor e o mais estranho é o facto de as autoridades ainda não terem detectado”, atira um outro pescador que encontrámos  à volta das redes. Segundo estes, muito dessa lampreia tem como destino os restaurantes de Lisboa, onde por esta altura é muito procurada. “Na capital anda muita gente a comer ‘gato por lebre’, mas também como é que as pessoas vão saber de onde vêm as lampreias se não há certificação? Assim, sem fiscalização cada um vende o que quiser e ao preço que entender”,  lamenta um dos pescadores.

De facto, o Minho Digital teve oportunidade de assistir a um telefonema entre um pescador e o dono de um restaurante da capital, no qual o comerciante regateava o preço  e se gabava de ganhar muito dinheiro na revenda e ainda ter quem lhe levasse a lampreia a Lisboa. “Agora, veja bem, levam-lhe a Lisboa, como é que viajam essas lampreias? Acha que alguém leva guia de transporte? Que vai legal?” – questiona o pescador envolvido no telefonema. “Claro que não, isto é tudo um negócio paralelo que foge às malhas da Lei”, acrescenta.

O Minho Digital entrou em contacto com alguns restaurantes na capital para se inteirar dos preços praticados. Encontrámos preços que variam entre os 25 e os 36 euros, mas também encontrámos quem se tenha recusado a revelar o valor da lampreia que está a cobrar…

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O capitão do Porto de Caminha, Rodrigo Gonzalez dos Paços, em declarações ao nosso jornal, afirmou “estar a par” das queixas dos pescadores relativamente à entrada do ciclóstomo vindo de França e vendido como sendo do rio Minho, assim como no que diz respeito ao preço praticado. “No entanto nós não podemos interferir no mercado, já em relação à lampreia que possa circular sem guia de transporte isso constitui fuga à lota e já é um assunto da nossa responsabilidade e nós efectuamos cerca de 1500 vistorias anuais, o que significa cinco vistorias anuais por embarcação. Também podemos vistoriar carros a circular junto do cais, no entanto a fiscalização em estrada é da responsabilidade da GNR”, assegurou.

Nesse sentido contactamos a Brigada Fiscal da GNR de Caminha que não adiantou pormenores sobre este assunto.

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Nuvem do Minho
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