Editorial

A incrível viagem das (para as) tartarugas verdes
Nadir Faria

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Nadir Faria

Cooperante

 

Quem imagino ser o meu leitor mais novo, quando lhe contei que fui ver as tartarugas ao Ilhéu de Poilão, no Parque Nacional Marinho de João Vieira e Poilão, sugeriu que escrevesse sobre isso.

A visita a Poilão foi impulsionada por uma amiga que me fez prometer que não íamos sair da Guiné-Bissau sem o fazermos! Como já havia feito uma tentativa de ver a desova das tartarugas na Ilha do Maio e, por motivos que justificavam outra crónica, não ter conseguido, disse logo que sim! Havia outros estrangeiros residentes na Guiné-Bissau com o mesmo desejo e, seguindo a “facilidade” dos tempos atuais, criou-se um grupo no WhatsApp, onde uns foram adicionando outros e onde outros foram saindo, até se chegar ao grupo que iria viajar em conjunto. A viagem teve de ser combinada com o IBAP (Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas) e entre os membros foram sendo trocadas dúvidas e informações sobre o custo, o programa, o que levar… E no dia e, mais ou menos, hora combinados lá saímos do porto de Bissau rumo a João Vieira, onde se faria a primeira etapa da viagem. Primeira etapa mais de lazer, pois esperavam-nos uma praia e um jantar maravilhosos. Estava previsto pernoitarmos lá, almoçarmos no dia seguinte e sair para Poilão, após isso.

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Poilão é um ilhéu desabitado que pertence, tradicionalmente, à ilha de Canhabaque. É um local considerado sagrado pela população, onde se realizam alguns rituais de iniciação. É bastante rico em biodiversidade e tem a maior população de tartarugas verdes de África – segundo o IBAP, chegam a desovar 10.000 tartarugas numa temporada, fazendo com que nasça mais de 1 milhão de tartaruguinhas, num areal com menos de 2 quilómetros de extensão. As que lá nascem, e sobrevivem, voltam entre 15 a 25 anos depois. O facto de o ilhéu ser considerado sagrado facilita o trabalho do IBAP de proteção da espécie, pois ninguém pode lá entrar sem a devida autorização e as entradas são em número limitado. Todos os anos, antes do início da temporada da desova, a equipa do IBAP participa numa cerimónia para pedir autorização à comunidade e aos deuses para se poder.

Ora, houve um atraso considerável na chegada do barco e acabámos por sair de João Vieira já ao anoitecer. O embarque foi muito rápido, com os marinheiros que se haviam atrasado a pedir-nos para sermos muito rápidos. Colocámos os coletes e rumámos em direção a Poilão. Era altura de marão! Nunca tinha tido medo de andar de barco nem nunca tinha tido tanto medo na vida! O barco era relativamente pequeno – o suficiente para as cerca de 15 pessoas que lá iam. Com a ondulação do marão, balouçava muito e entrava muita água. Como estava escuro, não se tinha a percepção de onde estávamos e não havia rede nos telemóveis. Começámos a ficar encharcados e, eu, optei por me agarrar ao banco, fechar os olhos e não dizer nada! Acho que a viagem demorou menos de uma hora, mas pareceu-me interminável.

Fomos recebidos pela equipa do IBAP que lá estava. Explicaram-nos as regras e mostraram-nos onde colocar as tendas para acamparmos. Poilão não tem água potável nem qualquer infraestrutura – a não ser um abrigo para as tendas da equipa que lá costuma trabalhar e, além do areal, quase nenhuma área de acesso permitido aos visitantes.

Confesso que já quase nem tinha vontade de ver quaisquer tartarugas, devido ao susto, à roupa molhada… Mas, também, não ia desperdiçar a oportunidade depois do “sacrifício” da viagem! Mas lá me juntei ao grupo para as ir ver. Foram-nos explicadas mais regras. Se alguma delas se apercebesse da nossa presença antes de começar a libertar os ovos iria voltar ao mar sem o fazer e isso não seria nada bom para elas. Essencialmente, cuidados com as lanternas ou com os flashes das fotografias. A única luz que elas toleram é vermelha.

Fomo-nos apercebendo da quantidade significativa de tartarugas que lá estavam e do estado do areal. Parecia todo “escavado”. Explicaram-nos que elas remexem a areia depois de cobrir os ovos para camuflar o cheiro e afastar os predadores dos ovos.

Conseguimos ver a desova e o caminho de volta para o mar. Como as tartarugas podem desovar até mais de cem ovos, no final estão muito cansadas e arrastam-se à velocidade a que nós chamamos mesmo de tartaruga!

Tudo estava a ser incrível e a justificar a viagem! Mas o mais incrível aconteceu quando o monitor que estava connosco se apercebeu de um ninho que estava a nascer! Vou repetir o adjetivo pois foi mesmo muito incrível ver as tartaruguinhas furar a casca do ovo e despertar (pouco) para a vida. Despertar pouco já que ficam cansadas do esforço de furar a casca e de se empurrarem até à superfície e ficam sonolentas. E são mesmo tartaruguinhas. Repetindo, de novo, o adjetivo, é incrível como um ser tão pequenino cresce tanto!

Haviam-nos dito também que se acordássemos ao amanhecer poderíamos vê-las a dirigirem-se para o mar em maior número. Confirmou-se. E continuou a ser justificável e incrível estar ali! Autorizaram-nos a encaminhar as que pudéssemos para a água e fizemo-lo com um entusiasmo quase histérico – ao ponto de termos dado nome a algumas, termos feito corridas entre elas e lhes termos desejado uma vida feliz!

Que as que sobreviverem – e sabe-se que são poucas pois têm muitos desafios ao longo do seu ciclo de vida – sejam tão histericamente felizes como nós fomos quando estivemos com elas!

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